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"Multis produzem só 6% da música gravada no Brasil"
por: Ricardo Fernandes
Fortaleza 07.08 2005

“Majors” transformaram-se em importadoras de discos produzidos
pelas suas matrizes, usando o disfarce do licenciamento para abocanharem
a compensação do ICMS, que usam para pagar jabá

Com uma produção imensamente maior e de melhor qualidade, as gravadoras nacionais independentes continuam a ser as principais responsáveis pela produção da boa música brasileira, enquanto as gravadoras multinacionais (Sony/BMG, Emi, Warner e Universal), com ínfimos 6,23% dos lançamentos de música produzida no Brasil, mantêm o monopólio dos meios de comunicação e divulgação com a famigerada prática do “jabá” pago às rádios e redes de televisão. 

QUALIDADE
De janeiro até o início deste mês de agosto, apenas 100 das mais de 200 gravadoras nacionais, lançaram 361 discos de música brasileira em todo o país. Entre alguns desses lançamentos estão “Bem que Mereci”, de Elton Medeiros (Acari), “Timoneiro”, de Hermínio Belo de Carvalho (Biscoito Fino), “Viola Violão”, de Paulinho Tapajós e Marcelo Lessa (Dabliú), “Ouvido Uni-vos”, de Luiz Tatit (Dabliú), “Violão e Voz”, de Moacir Luz (Deck), “Vaidade”, de Djavan (Luanda), “Nos Horizontes do Mundo”, de Leila Pinheiro (Biscoito Fino), “Antologia da Canção Brasileira – Vol. 1”, de Léa Freire e Bocato (Maritaca), “A Saga de Juca Tito – Cantata Popular Nordestina”, do Quinteto Violado (CPC-UMES), entre muitos outros. Ainda estão nas listas de lançamentos feitos estes anos pelas independentes nomes como: Vinícius Dorin, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), Mauro Senise, Chico Pinheiro, Mané Silveira, Caíto Marcondes, Thiago Espírito Santo, André Mehmari, Ná Ozzeti, Heloísa Fernandes, o grupo Choro Elétrico, Celine Imbert, Hamilton de Holanda, só para citar alguns dos artistas que compõem o elenco das independentes. 

“MAJORS”
Por outro lado, as “majors” lançaram meros 24 títulos de artistas nacionais no mesmo período: 6 da Universal, 3 da Warner, 11 da EMI e 4 da Sony/BMG. E, mesmo assim, de “artistas” do quilate de B5, Mulekes, Kelly Key, Kid Abelha, Raça Negra, Rapazzola, Alex e Conrado, Frank Aguiar, Exaltasamba, Nalanda, Cheiro de Amor, Edson e Hudson, Danny Carlos, entre outros “gênios”.

Para não falar na diferença de qualidade, ficando restritos à quantidade de discos oferecidos nestes sete meses, a Biscoito Fino apresentou 10 novos títulos, a CPC-UMES colocou no mercado 6, a Dabliú produziu 5 e a Maritaca lançou 7, só para ficar em poucos exemplos. Apenas 4 gravadoras nacionais citadas acima lançaram 28 CDs de música brasileira, contra os 24 do cartel.

Com exceção dos lançamentos de “A Vera”, de Zeca Pagodinho, “Brasilatinidades”, de Martinho da Vila, e “Baião de Dois”, de Dominguinhos e Elba Ramalho, fica claro que, quanto à vitalidade cultural e musical do Brasil, a participação das multis é quase nula. 

JABÁ
Não satisfeitas em promover e produzir primordialmente o pior que existe em nossa musica, as “majors” também impedem que o público tenha acesso à maior parcela do que de melhor se produz em termos de música brasileira. Como? Através do jabá pago às rádios e redes de televisão que, exaustivamente, só executam e divulgam os artistas delas, que se caracterizam, principalmente, por serem enlatados e grosseiras imitações do pior da música estrangeira ou “fast-music”, fórmulas “musicais” inspiradas nos truques da produção publicitária.

Hoje, como já denunciamos aqui na Hora do Povo, está nas mãos desse cartel 90% do espaço dedicado à música nas rádios e televisão, porcentagem que se repete em relação à venda de discos. Com seus 24 lançamentos, as multis monopolizam a divulgação, enquanto a imensa e rica produção independente nacional fica com apenas 5% da execução nos meios de comunicação e, conseqüentemente, das vendas – os outros 5% pertencem à Som Livre, da Globo, que conta com poder econômico e fácil exposição na mídia, mas que esse ano produziu apenas coletâneas das suas novelas. 

CRISE
O resultado dessa política monopolista é a crise que assola nosso mercado fonográfico e que fez o Brasil cair de 6º para 13º lugar no ranking mundial de vendas. Nesse sentido, de acordo com dados publicados no anuário “Mercado Brasileiro de Música”, publicado pela ABPD (Associação Brasileira de Produtores Discográficos), em 1997 foram vendidas 107 milhões de unidades contra 56 milhões em 2003, o que representa uma retração de 47,66 %. 

ICMS
Mas, por que o cartel insistiria, ano após ano, em pagar suborno para rádios e TVs tocarem só as suas “músicas de trabalho”, só os seus “artistas”, se ano após ano, suborno em cima de suborno, as vendas caem vertiginosamente? É que a dinheirama gasta nessa corrupção deslavada não é deles, é dinheiro público, vem da isenção de ICMS. Essa isenção destinava-se, originalmente, ao pagamento de despesas de produção. Diversas deformações e espertezas jurídicas travestiram o “jabá” em suposto custo de produção. Segundo dados fornecidos, em 2003, a Pedro Alexandre Sanches, em entrevista à Folha de S. Paulo, pelo atual comissário do “Ano do Brasil na França” e por mais de 40 anos executivo da indústria fonográfica, André Midani, a despesa anual das “majors” com jabá, no Brasil, fica entre R$ 71 milhões e R$ 95 milhões. 

PICARETAGEM
De lá para cá, com as vendas caindo e, conseqüentemente, o ICMS caindo, o cartel desenvolveu a picaretagem à excelência: como a sua principal atividade é importar CDs das suas matrizes, e importador não tem a tal isenção do ICMS, as matrizes licenciam (autorizam a reprodução) às suas sucursais os CDs que querem vender no Brasil. Dessa forma, as sucursais das multinacionais aqui instaladas reproduzem o CD licenciado – na maioria esmagadora dos casos sequer traduzem os textos impressos para o português - e passam a mão no ICMS, cuja isenção é exclusiva para a produção nacional. 

MANIPULAÇÃO
Embora as multis fiquem se fazendo de vítimas, culpando a pirataria pela crise, é fácil constatar que a venda de CDs não autorizados é apenas uma das conseqüências da escusa estratégia de corromper os meios de comunicação para manipular a demanda e concentrá-la sobre um número cada vez mais reduzido de lançamentos. Não é à toa, que os míseros 24 lançamentos realizados este anos pelas “majors” são facilmente encontrados em qualquer banquinha de camelô.

Esse é o panorama atual do nosso mercado, onde o monopólio das multis flagela a imensa produção de qualidade das gravadoras nacionais impondo ao grande público brasileiro, através da execução exaustiva em rádios e TVs, um número pequeno de “artistas” que nada têm a acrescentar à nossa cultura, e que inclusive desmerecem a nossa riquíssima tradição musical, cujo principal estandarte é a produção independente.

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