Estado de Minas
- 12/07/2005 BH
"Romantismo Com Suingue"

Por: Walter Sebastião

Os músicos Léa Freire e Bocato se unem para gravar
Antologia da Canção Brasileira. Primeiro disco do projeto
será lançado amanhã, no Museu de Arte da Pampulha.

"O ouro é nosso", afirma Léa Freire, de 48 anos. E ela não está se referindo ao precioso metal, mas à música brasileira. Manifestação artística com tal grau de excelência no País que "devia-se pagar ingresso para entrar no Brasil", brinca. E é exatamente reafirmando essa perspectiva, a partir de atenção ao motivo da melodia, que Léa e o trombonista Bocato fazem amanhã, no Museu de Arte da Pampulha, show de lançamento do disco Antologia da Canção Brasileira 1. No repertório, Tom Jobim, Ary Barroso, Cartola, Fátima Guedes, Haroldo Barbosa, entre outros.

A idéia do disco com composições de grandes melodistas brasileiros veio do trombonista Bocato. Aceita a proposta, como laboratório, a dupla fez mais de uma centena de shows até chegar ao formato de 20 canções e dois discos - o segundo sai até o final do ano. É trabalho que se volta exclusivamente para músicas lentas. "Lenta, mas não morta nem morna. Tudo muito bonito, elegante, sutil, envolvente", esnoba
Bocato - e ele diz a mais pura verdade. "Fizemos disco que ninguém fez no âmbito da música brasileira. Os projetos têm sempre uma pauleirinha, um sambinha para fazer graça", observa.
Devido à natureza do projeto, existe o cuidado de não fazer show com mais de uma hora e dez minutos, para não dissipar a magia do divagar musical, gravado à moda antiga, com todos tocando ao mesmo tempo. "São melodias que têm a ver com a nossa alma. É passional, não o passional latino, mas o brasileiro suave. É romântico sem ser piegas", completa. Léa Freire concorda: "É só paixão. Tem que fechar os olhos e se deixar levar. Não é virtuosismo, milhões de notas por segundo, mas convite para entrar no clima de melodias e harmonias maravilhosas. Na segunda música a gente está em alfa".
O que o repertório revela do brasileiro? "Que somos todos românticos, mesmo depois dos modernismos. Só que românticos com suingue. É da raça, genético", garante Léa. Destaca "a delicadeza de timbres" e conta que "os instrumentos se fundiram, criando a flaubone ou tromflauta". Bocato, por sua vez, avisa que música lenta é desafio: "É quando se observa se o músico tem conteúdo, se é artista ou velocista. E é bom lembrar que a gente é brasileiro. Temos nos esquecido disso", lamenta.

Vergonha na cara
"Tiraram a melodia da música achando que seria um estouro e o resultado é uma música impessoal, sem marca, que o autor não tem importância. É a melodia que fala ao coração, que leva a idéia e expande a música", analisa Bocato. Ele sabe do que fala, já que conhece bem o mundo pop, provocando DJs e o pessoal da eletrônica instrumental. A questão como explica, é que a melodia é elemento estrutural da música e ponto importantíssimo de muito do feito no Brasil, "como se vê na capoeira, nos cantos de ubanda e dos índios, nas guarânias e na música popular".
Mais: "Está na hora de tomar vergonha na cara e trabalhar com elementos brasileiros. Temos milhões de ritmos, diversidade de estilos e melodias. Não somos Cuba ou EUA, que têm dois ritmos e muitas variações", argumenta
Bocato. Quem é esse cara? Um músico respeitadíssimo, 15 discos gravados, que já participou de festival de Montreaux e, na Suiça, gravou Acid Samba. Tocou com Arrigo, Itamar Assumpção, Elis Regina, Rita Lee, Ney Matogrosso, Roberto Carlos, Ná Ozzetti, Zé Miguel Wisnik, Chico César, Carlinhos Brown, Nação Zumbi, Mestre Ambrósio, Pavilhão 9, Thaíde e DJ Hum, entre outros.

Um selo de Qualidade
Unir o popular ao erudito com sotaque brasileiro.
Projeto do selo Maritaca, com quase 20 títulos lançados (ver www.maritaca.art.br), criado pela flautista e compositora Léa Freire. Ela começou sua vida musical com clássicos, depois tocando rock, fusion, jazz e caiu de amores pela música brasileira. Já tocou com Alaíde Costa, Nelson Ayres, Marlui Miranda, Hermeto Pascoal, Yamandú Costa, Rosinha de Valença, Eduardo Gudin, Isaurinha Garcia, Cauby Peixoto, Djavan, Elton Medeiros, Guilherme Vergueiro, Leny Andrade, Paulo Freire, Eliane Elias, Jaques Morelembaum, Paulo Guimarães, Luis Eça, Ion Muniz, entre outros. Confira opiniões de
Léa Freire sobre a música brasileira e o selo Maritaca.
Maritaca Discos
"O sonho é registrar a música brasileira ignorada pelas multinacionais da indústria do disco. Só se vive fazendo o que se gosta, senão é sobrevivência."
Música Brasileira
"Um dia vai atingir todas as camadas sociais e ter o status que merece: de melhor, mais rica, completa e variada música do mundo. Seja a popular ou a erudita."
Balanço da Gravadora
"O mais fácil é achar músicos bons e música boa para gravar. Difícil é a divulgação no rádio e na TV. Até dá para sobreviver sem, mas vende-se menos e, em conseqüência, produz-se menos."
Critérios de Escolha
"Paixão. Decido sozinha, mas tem muitas opiniões que, se concordar, eu aceito."
Autor Brasileiro
"Pixinguinha. Um gênio, figura humana impecável, com obra extensa e maravilhosa. Mas tem Cartola, Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine, Villa-Lobos, Radamés Gnatalli, Guerra Peixe e Camargo Guarnieri, Moacyr Santos e muitos outros."
Cantoras
Mônica Salmaso e Jane Duboc. Compreendem o canto como instrumento. Pode-se tocar o que elas cantam."
Como se aproximar da MPB
"De todas as formas. Desde a pesquisa até o estudo, pela emoção ou atento à intenção dos autores, sabendo como se perpetua e por que se perpetua. Ela define um jeito de sentir brasileiro."

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