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Revista Guitar Player
Riffs: Jazz Brasileiro Claudio Celso
por: Henrique Inglez de Souza
foto: Claudio Elizabetzky
Agosto 2006 - nº 124 Ano 10
A lista de nomes com quem Claudio Celso já trabalhou é extensa: Chet Baker, Mike Stoller, Steve Thorton, Naná Vasconcellos, Sérgio Dias e por aí vai. Foram mais de 60 músicos de alto nível ao longo de seus 34 anos de carreira. Logo no início, uma missão prazerosa mas de muita responsabilidade: substituir Heraldo do Monte nos shows do Zimbo Trio. De lá pra cá, uma volumosa lista de grandes momentos, como as participações no Festival de Jazz de Newport (1979) e no Cool Jazz Festival (1980), onde pode mostrar sua elegância e refinamento musical. Claudio Celso lançou recentemente o álbum Swell - A Brazilian Cool Jazz Experience e Guitar Palyer conversou com ele para saber os detalhes do novo disco.
O que Swell representa em sua discografia?
É o álbum que celebra meu encontro com minha essência musical e auto-aceitação, sem me preocupar com o que vão falar e pensar de mim como músico. Pela primeira vez, toco num disco do jeito que toco em casa, quando ninguém está assistindo. Não enfatizo exibições de virtuosismo. Relaxei e deixei fluir naturalmente, aceitando os solos que surgiram, sem exigir muito de mim. Swell é o meu melhor momento musical.
É um disco bastante sutil e delicado.
Swell é um álbum suave, como um veludo macio e sofisticado. Para atingir esse resultado, há muito em jogo. Usei concepções radicais. Por exemplo, evitei notas na região aguda. Mantive-me na parte grave da guitarra e explorei mais a sexta, quinta e quarta cordas. Além disso, tirei todo grave e agudo do amplificador e equalizei o som na própria guitarra. Na bateria, não usamos baquetas, e sim escovinha - no disco todo. O som do baixo acústico foi essencial para conseguirmos esse efeito aveludado. Nós, músicos, queremos sempre arrasar, mas isso torna a música indigesta. Quanto mais velho fico mais me torno ouvinte leigo, como quando éramos crianças e ouvimos música sem analisar, criticar ou esperar algo. Foi com essa atitude que toquei nesse disco - direto da alma.
O que é mais forte no seu jeito de tocar?
Meu pai, Nilson Marcondes Celso, foi um dos pioneiros da guitarra jazz no Brasil, ao lado de Ismael Campilha, nos anos de 1940. Lá em casa, a música era o jazz, e os músicos mais cultuados eram os guitarristas. Foi nesse ambiente que nasci e fui criado. Por isso, fico mais à vontade quando toco jazz. Gosto do fraseado dobrado, porém melódico e tranqüilo. E nunca idolatrei apenas um guitarrista, já que isso não me interessava. Queria formar meu estilo. Tirava uma frase ou outra, aqui e ali, não só de guitarristas, mas de outros instrumentistas também, como o saxofonista Charlie Parker e o pianista Oscar Peterson. Às vezes, tirava só para entender como formar aquele clima específico, que notas usar. Daí, as invertia, criando frases minhas, mas mantendo o mesmo clima. Meu pai também contribuiu muito para isso: mandava eu tirar solos de Miles Davis e passar para a guitarra, harmonizando tudo ao estilo bossa nova de Baden Powell, senão não tinha mesada.
Tem bastante de chorinho e rock em seus solos...
Não somos o que pensamos ser. Por exemplo, eu achava que não tinha nada a ver com chorinho, mas a sua pergunta me fez ver algo diferente e faz muito sentido. Quando criança, estudei violão clássico e isso inclui o aprendizado de vários chorinhos. Já em relação ao rock, os Beatles me pegaram com dez anos de idade. Nenhum músico nascido nos anos 1950 escapou dessa febre. Tornei-me músico por causa dos Beatles, de Woodstock e de toda uma revolução social. Sou músico de jazz, mas filho do rock.
Você morou fora do Brasil, não é mesmo?
Sim, passei quase toda minha vida nos EUA, mas também nunca deixei o Brasil totalmente. Desde 1978, vivo nos dois países. Tenho casa, família, filhas, amigos e toda uma vida americana. Sinto-me brasileiro, mas tenho um profundo sentimento de patriotismo pelos Estados Unidos.
A música Bye Bye Brasil, de Chico Buarque e Roberto Menescal, é uma espécie de xodó no seu repertório?
Sim. Quando estudei Bye Bye Brasil nos Estados Unidos, bateu-me um sentimento de brasilidade muito forte: amor à pátria, saudades do meu povo. Ainda jovem, eu disse "Bye Bye Brasil", mas disse também "hello New York", é isso que fiz no arranjo. Primeiro toco com ritmo brasileiro e, no fim, troco para walking bass em 4/4 do jazz tradicional. Até cito Miles Davis com fragmentos da melodia de Milestones, para refletir a parte do "hello New York". No fundo, é a história de minha vida.
Na faixa Hades você abriu mão de suas típicas modulações e em Song For Anita conseguiu uma bela construção rítmica. Fale um pouco sobre estas músicas.
Hades foi essencial para que o disco tivesse equilíbrio como um todo. Achei que precisaria ter um tema que não modulasse tanto, senão ficaria tudo muito igual, caindo na redundância. Gosto de improvisar também em um acorde só. Às vezes, é até mais difícil, pois o terreno harmônico é mais árido e exige outro enfoque, mais pentatônico, bluseiro. Song For Anita tem um elemento muito interessante: a intenção do ritmo dobrado sobre uma melodia de uma balada, assim como Bye Bye Brasil. Entretanto, a característica mais forte dessa faixa é o contrabaixo fazendo um pedal na nota E enquanto os acordes se movimentam com a melodia nas suas pontas.
O solo de Tomatoes é tipicamente "Claudio Celso": ataques que sabem bater e, ao mesmo tempo, acariciar as notas.
Na primeira parte, usei a técnica de pizzicato, abafando as cordas com a mão direita, evitando sustain e secando o som, tornando-o percussivo. Adquiri essa técnica tocando rock pesado com muita distorção, em que é uma obrigação abafar as cordas com a mão direita para não haver barulhos e cordas vibrando. Na segunda parte do solo, relaxei o pizzicato e parti para o blues, com alguns bends. É claro que tudo isso aconteceu espontaneamente, sem eu planejar.
Qual são seus equipamentos em Swell?
Uso uma guitarra semi-acústica Carlo Robelli e um amplificador Fender Twin Reverb 1965 original - conhecido como o Santo Graal dos amplificadores. Não usei efeitos. O que dá o timbre cheio e gordo são as cordas lisas Tomastik .012, .016, .024, .032, .042 e .052. Toco com palhetas Fender heavy.
O que é fundamental para um guitarrista de jazz?
Ser um improvisador nato, pois sem essa característica natural a pessoa terá de se esforçar muito mais. Entretanto nada é impossível. Querer é poder e tudo se aprende. A criatividade é como um músculo: se a exercitamos, ela aumenta. O resto é linguagem, vocabulário e, claro, ginga e um pouco de malandragem. Só assim o jazz fica mais gostoso de se ouvir e tocar.
Visite: www.claudiocelso.com e www.maritaca.art.br
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