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Mané Silveira

Por: Mariana Sayad e João Marcondes
Abril 2007

“Além de um grande músico, é um intelectual”*

A entrevista com o Mané Silveira aconteceu no dia 21 de abril de 2004 na Sala Souza Lima, em São Paulo.

Mané Silveira foi o primeiro entrevistado deste projeto, por isso, ele é um pouco padrinho (e grande culpado) disso tudo. É complicado fazer um resumo da carreira dele sem tecer elogios, pois é um grande amigo, que admiro muito.

Mané é um guerreiro da música instrumental, que luta pela propagação dela. Por ele, esta música estaria espalhada pelo Brasil inteiro para que todas as pessoas pudessem pelo menos conhecê-la. Ele tem uma série de trabalhos bem sucedidos, como a Orquestra Popular de Câmara, o Íman (duo com Swami Jr), o trio Bonsai com Paulo Braga e Guello e outros trabalhos.

Para conhecer um pouco deste grande intelectual e músico, acompanhem trechos da entrevista dele...

* Frase dita pelo músico Ivan Vilela

Mariana Sayad


Nome completo: Manoel Carlos de Campos Silveira
Data de nascimento: 10 de janeiro de 1957
Local de nascimento: São Paulo
Em que cidade mora atualmente: São Paulo

Vozes da Música Instrumental
Fale sobre sua formação musical.


Mané Silveira
Acho que como a maioria dos músicos foi na família mesmo. Eu tive um pouco de aula de violino dos sete aos oito anos. A minha avó era violinista, mas não a conheci. A minha mãe e a irmã dela tocavam piano, então, tinha aquele ambiente musical. Eu mexia no piano de vez em quando. Aos 12 anos, estudei um pouco de piano erudito, mas fiquei pouco tempo. Eu era mais disperso, mas gostava de sons e ouvir discos de cantores, que tinha em casa. A voz me atraia muito.

Aos 18 anos, fui estudar piano no CLAM, a escola do Zimbo Trio, com a professora Eva Gomyde. Depois, tive aulas particulares com ela durante um bom tempo. Até que aos 20 anos de idade, passei para o saxofone. Ah sim, aos 15 anos eu toquei um pouco de órgão eletrônico, mas sem a idéia de ser músico profissional. Era algo bem diletante.

VMI - Fale um pouco sobre suas influências

MS - É gozado porque antes de começar a tocar saxofone, eu não tinha conhecimento nenhum do jazz americano. Quando eu comecei a me interessar pelo instrumento, foi por causa do som. Eu não ouvia música instrumental, pois não tinha esse conhecimento. Eu ficava procurando músicas brasileiras e estrangeiras que tivessem solo de sax por causa da sonoridade. A primeira influência mesmo, foi o Roberto Sion, pois comecei a estudar sax com ele. A partir daí, fui aprendendo a ouvir os grandes mestres do instrumento: Charlie Parker, John Coltrane, Phil Woods. O Paul Desmond teve uma influência muito grande porque o Sion pedia para desenvolvermos um tipo de improvisação bastante composicional e o Paul Desmond é um mestre nisso. Ele cria praticamente um outro tema no improviso. Cannonball Adderley. O Victor Assis Brasil, que tem uma influência marcante. Paulo Moura, que me liguei muito e o Mauro Senise também. Quem mais?

Mais pra frente, o Michael Brecker. Aliás, ele teve um impacto em todos os saxofonistas quando surgiu. A prática que fazíamos era tirar os solos desses caras para entendermos o pensamento deles, como improviso, as sonoridades, as articulações. É um estudo bem de vivência mesmo. Basicamente, foram essas as influências.

VMI - O que o levou a se interessar pela música instrumental?

MS - Exatamente... Foi via (Roberto) Sion. A minha primeira experiência em tocar música instrumental foi na Banda de Estudantes do Sion, que era uma Big Band de estudantes começando. Foi onde comecei ganhar a prática da música instrumental, a leitura e as especificidades de uma Big Band. Quando eu comecei a entrar em contato com o jazz, fiquei fascinado por tudo. E depois fui amadurecendo a idéia de ser um profissional.

VMI - O que é mais legal e o mais chato em se dar aula de música?

MS - Talvez não só na aula, mas na própria música, o que mais gostamos de fazer é lidar com a arte. Muitos colegas, que dão aula de música em algumas escolas particulares, se queixam quando recebem aquele tipo de aluno mais jovem, que ainda não sabe o que quer fazer, e prefere ficar tocando músicas mais comerciais. Tudo bem, é um direito de cada um, mas talvez o ideal do músico, que dá aula, seja trabalhar em um nível mais criativo, de conceitos e estética. Para isso, é necessário ter alunos mais adiantados, com uma visão mais abrangente da música instrumental e que queiram ser instrumentistas, compositores, arranjadores dentro da música instrumental brasileira. Então, acho que a maior satisfação em dar aula é pegar uns alunos, que já estejam na trilha da música instrumental.

A prática de ser professor é muito enriquecedora de qualquer jeito porque acho que na vida encontramos as situações mais diversas possíveis e nem sempre é do jeito que queremos. Acho que é muito legal pegar um aluno, que não liga para o tipo de música que fazemos e de repente conseguimos criar nele um interesse por esse tipo de música. É bom mostrar outros caminhos da música aos alunos para terem opção. Acho que é essa é a grande jogada.

Os guitarristas contam que a molecada chega querendo aprender rock e depois muitos começam a se interessar pela música brasileira, bossa nova e jazz. E vão mais pra esta praia. Mas o que tiverem vocação para o rock, que toquem sem problema nenhum. Sem preconceitos!

VMI - Qual é a importância em se ler bem uma partitura?

MS - Leitura é essencial. No começo, eu não gostava daquela coisa de solfejo e ler partitura. Acho que a maioria das pessoas não gosta, principalmente, por trabalhar com “música popular instrumental”, o músico de jazz usa muito o ouvido. É óbvio que todos usam o ouvido, mas na prática da música erudita não se permite “tirar música” de ouvido e, às vezes, é até bloqueado pelos professores.

Na verdade, nós, da música popular, começamos tocando de ouvido e aí a partitura vira aquele monstro. Mas a importância é vital e todo músico precisa saber ler partitura e cifra, que se usa muito para a improvisação. Isso facilita a comunicação, pois pegar tudo de ouvido às vezes demora um pouco. Por isso, ter sua linguagem, representação e escrita é muito importante. Aprendam a ler!

VMI - Quais são as vantagens e desvantagens em se trabalhar com uma formação instrumental tão diferente (piano, saxofone e percussão) no Trio Bonsai?

MS - É legal essa formação porque na música erudita se têm várias formações, desde a orquestra sinfônica até grupos de câmara, piano e violino, trios, duo. Ou seja, se têm peças para várias formações. Na música popular instrumental, ficou muito forte a formação característica: piano, baixo, bateria, guitarra e sopro. Mas não tem diferença, pois há tantos instrumentos na música popular, que dá para fazer qualquer coisa em termo de formação instrumental.

O Bonsai no começo era para ser um dueto. Eu e o Paulo Braga nos conhecemos no Conservatório de Tatuí, que eu dava aula lá também. Então, resolvemos colocar uma percussão e falamos com o Guello. Pelo fato de não ter baixo, nós exploramos esta formação, então não está faltando nada. O piano é um instrumento bastante rico, mas não dá para ficar pensando em substituir o baixo com o grave do piano. Não é bem assim. Tentamos descobrir as sonoridades diferentes. Tocamos com o piano, sax e percussão criando situações musicais com esta formação. Cada formação tem suas possibilidades sonoras.

De uma certa forma é um tipo de improvisação, que se faz em relação à formação que se está usando. Tem que dar um jeito de sair música dali. Ficamos um pouco apavorados com a falta do baixo, mas o Paulão tem uma técnica muito desenvolvida na mão esquerda por causa da influência erudita dele. Aliás, na música popular ficou o estigma do piano ser o apoio, ou seja, se faz o acorde sem a tônica, e quem dá a tônica é o baixo. E os pianistas estão mais acostumados a tocarem as notas superiores dos acordes. Isso foi uma coisa que o Bill Evans consolidou. Uma vez o Gogo falou que a molecada não sabia mais tocar na parte mais grave do piano e nem tocar piano solo. O pianista erudito tem uma mão esquerda bem mais desenvolvida que a maioria dos pianistas populares.

No Bonsai, precisamos vencer esse medo de que estava faltando alguma coisa, pois na verdade, não está faltando nada.

VMI - Como é realizar um trabalho com tantos músicos, como é na Orquestra Popular de Câmara? Como surgiu esse trabalho?

MS - Aí já é bem diferente. Temos vários recursos. Podemos escrever para todos os instrumentos. É muito gostoso porque oferece uma riqueza sonora muito grande e com instrumentos muito variados. Aí podemos desenvolver uma escrita e ao mesmo tempo se tem uma prática de se improvisar conjuntamente, que não é nada nova. No free jazz se fazia muito. Às vezes, dentro da música se tem espaço para que todos improvisem ao mesmo tempo e desenvolvemos uma sensibilidade para ouvirmos o que cada um está fazendo. É uma reação em cadeia, que às vezes dá super certo e outras vezes não acontece nada.

Nesta improvisação coletiva, eu finjo que já está tudo escrito. Quando eu coloco uma frase lá no meio da improvisação, mas com uma convicção que aquilo faz parte da música mesmo. É um recurso de imaginação. O importante é desenvolver a composição. Acho que o grande barato é compor. É criar um universo com um contexto sonoro. Isso é importante para se criar um contraponto entre as seções escritas e as improvisadas. É muito legal.

VMI - Fale sobre o seu CD “Sax sob as Árvores”.

MS - Este CD nasceu de um trio na época do bar Sanja, que foi o grande celeiro de músico - ficava ali na rua Frei Caneca (SP) - onde tocavam muitos grupos. Em uma ocasião eu quis fazer um trio com piano, baixo e sax. Na época, eu era casado com Lis de Carvalho, pianista, então, éramos eu, a Liz e o Nadinho – um baixista muito especial, swingueiro, baixo elétrico. Ele toca com o Almir Sater. O Nelson, dono do Sanja, precisava dar um nome para este trio e a idéia era tocar em jardim dentro do Sanja em baixo de umas árvores e aí ele teve a idéia de colocar “Sax sob as Árvores”. No fim, não tocamos debaixo das árvores, tocamos no palco mesmo, mas ficou o nome. Depois, entrou o Pete Woolley no baixo acústico e o Beto Caldas na bateria, o Benjamim Taubkin no piano e o Guello na percussão. E acabou virando um quinteto. A partir disso, comecei a colocar em prática a composição, pois eu tinha várias que eu queria testar e coloquei algumas músicas no grupo e gravamos este disco.

Gravamos este CD e foi indicado para o Prêmio Sharp. Foi um CD muito feliz eu achei, porque com todas as falhas que um CD pode ter, mas ele saiu muito verdadeiro. Gravamos em dois dias, num sábado e domingo. Sem cobertura... Foi tudo direto. Como os jazzistas tocavam antigamente, simplesmente, entravam no estúdio e saiam tocando. Então, foi um disco muito importante. Foi o primeiro também.

VMI - Quais músicas foram gravadas no “Sax sob as Árvores”?

MS - A maioria são composições minhas. Tem uma " Saudades " fiz em homenagem ao Charlie Parker, ao Coltrane e Thelonious Monk. Outra, Pro Victor em homenagem ao Victor Assis Brasil. Gravei uma música do Arrigo, Lenda , com ele no teclado. É uma valsa linda. Uma outra música chamada “ Tabawana Bolero”, que fiz pro meu amigo Pete Woolley.

VMI - Falando em Prêmio Sharp, este CD foi indicado na categoria “Revelação Instrumental”. Para você, qual é a importância de um prêmio desse para a música?

MS - Acho que essas premiações criam um foco em determinadas áreas da arte. Este prêmio reservar um prêmio para a música instrumental, mostra ao mundo que existe esta forma de arte, chamada Música Instrumental, que tem estilos mais variados possíveis.

Mas a premiação não vem acompanhada de uma estrutura nacional, em que o artista da música instrumental brasileira possa circular. Então, é muito bom ganhar um prêmio, ficar mais conhecido e colocar no disco. É bom salientar, que eu não ganhei o prêmio, quem ganhou foi o Yuri Popoff, que estava concorrendo comigo e com o Tomás Improta, que é um pianista muito bom lá do Rio. Fiquei contente de estar junto destes caras, que são figuras importantes da música instrumental. Mas estes prêmios não têm muita reverberação no plano prático porque não se tem uma estrutura muito organizada de lugares para tocar e de festivais.

No Brasil, têm muitos festivais de música instrumental, mas geralmente não conseguem levar o pessoal daqui de São Paulo porque é caro. E ainda por cima, a música instrumental não faz parte de uma cultura nacional. Só o choro é mais conhecido. Mas nas escolas, tanto públicas, quanto particulares, não se aborda o tema da música popular brasileira. Isso deveria fazer parte do currículo, pois faz parte da formação dos cidadãos. A formação do povo brasileiro, mas este é um problema do país, que não valoriza a sua própria cultura e sua arte. Valorização para se ter um movimento nacional para se aprender arte, teatro, dança, música em todas as escolas. Incentivar as crianças a entrarem em contato. Não se tem este cultivo mesmo. Acho que é isso.

VMI - No Íman, vocês interpretam choros em duo. Esta é uma concepção bem diferente do gênero, esta é uma formação instrumental incidental ou proposital?

MS - Nós temos um violão de sete cordas e saxofone. O que fazer com isso? Procuramos não deixar a coisa simplista, do tipo eu tocar a melodia e o Swami (Jr.) me acompanhar. Então, elaboramos arranjos, que é um tipo de composição também, onde se está compondo uma maneira de tocar aquela música. Em vez de só tocar a melodia e o acompanhamento, nós criamos situações, introduções e interlúdio. Procuramos ter esse cuidado no disco. E é preciso explorar isso. Por exemplo, o violão de sete cordas, mais comum no choro, tem aqueles graves e ao mesmo tempo tem uns acordes bonitos. E o Swami é um cara que toca de uma forma muito especial este violão. Então, é criar uma situação musical com o material dado, que no caso é um violão e um saxofone.

VMI - Qual é a influência de Arrigo Barnabé em sua formação musical?

MS - É uma influência muito boa. É um cara que está tendo uma trajetória musical muito legal com as composições com técnicas dodecafônicas, mas aplicada a uma base rítmica de rock, mais pauleira. E com as narrações baseadas nas histórias em quadrinhos, mais urbanas mesmo.

Para mim foi um susto quando me chamaram para tocar na banda Sabor de Veneno. Eu não entendia nada aquele tipo de linguagem, mas gostei muito. Era difícil tocar aquelas partituras e com aqueles compassos compostos. Foi muito legal. Voltando na tecla da composição, o Arrigo é um exemplo deste percurso de aprofundamento da composição, que é algo que eu tenho procurado fazer. É algo tão vasto. Dentro da música instrumental popular brasileira, nós construímos temas. Geralmente, este tema pode ter uma melodia com uma harmonia, depois vem a improvisação, volta ao tema e acaba. Mais básica. Por isso se tem a arte do arranjo, da composição, do desenvolvimento que se pode ir para outros tipos de sonoridade, de outros tipos de criação musical.

Existe esse contraponto entre a música popular e a erudita, que se utiliza à complexidade. Mas aí se tem o Moacyr Santos, que tem uma música sofisticadíssima e, ao mesmo tempo, popular. Eu particularmente, estou mais preocupado em fazer música, ouvir mais música erudita, que algo que não tenho muita familiaridade. Então, o Arrigo é uma inspiração, que está escrevendo coisas maravilhosas, como missas, peças para quarteto de cordas e outras. Ele vai fundo na composição mesmo e é algo que pretendo seguir cada vez mais sem me preocupar se sou saxofonista, músico instrumental ou jazzista.

VMI - Como é seu trabalho com Nelson Ayres?

MS - É uma figura bastante importante. Eu estudei com ele. Ele dava aula lá no Conservatório do Brooklin de Big Band e arranjos. E eu fiz o curso de arranjo com ele. E eu o admirava muito. Tinha a Big Band do Nelson Ayres, em que até o Sion tocava. Depois de algum tempo, o Nelson acabou me chamando para alguns trabalhos com o trio dele como convidado. Uma vez fomos para o Japão, que era o Pau Brasil acrescido de alguns músicos. Mais recentemente, ele me chamou para fazer umas participações com o trio dele (com o Bob Wyatt e Rogério Botter Maio). Outro dia, fui substituir o Teco Cardoso no Pau Brasil. Às vezes, o Nelson me chama para fazer alguns trabalhos, fora da música instrumental, de arranjos. É um grande músico que tem uma consistência muito grande. E é um exemplo que também estou tentando seguir. Ele fez regência. Ele ampliou os horizontes. Ele é uma figura muito legal.

VMI - Como você começou no octeto com Mozar Terra?

MS - É um músico dos mais importantes, que tenho um carinho muito grande. Eu sempre ouvia falar do Mozar quando comecei a fazer música instrumental. Ele morava na França e eu não sabia quem ele era. Quando ele voltou ao Brasil, montou novamente o octeto e eu fui convidado, acho que pelo Teco Cardoso. Finalmente, conheci o Mozar Terra. Eu o considero um cara que merecia ser mais conhecido. É um compositor magnífico. Ele deixou muitas composições inéditas. A meu ver Mozar é uma espécie de mistura de Tom Jobim com Moacyr Santos. Ele tem uma consistência de composição muito forte. Tem temas lindos. Dentro da estética brasileira. Ele tem um disco só (Caderno de Compasição), que foi lançado pela Maritaca e tomará, que possamos fazer alguma homenagem gravando coisas inéditas. Seria muito legal. Ele é um músico muito importante da música instrumental brasileira.

VMI - Atualmente, você tem se dedicado à composição. Como surgiu essa descoberta?

MS - Foi brincando ao piano. Quando comecei a estudar piano com a Eva Gomyde, eu criava temas. Para ser mais preciso, quando eu comecei a ter aula com o Sion, em junho de 1977, comecei a estudar o saxofone e ao mesmo tempo gravava num pequeno K7 uns teminhas, que eu tinha feito que, curiosamente, tinham a ver com bossa nova. Não ouvia muito Tom Jobim, mas parece que é algo que fica no ar. Mostrei ao Sion e brotou um desejo de compor. Comecei a tentar. A tendência, às vezes, é se acomodar em um determinado jeito de se fazer as coisas. Daí a importância de se estudar composição, seus princípios e técnicas. É um processo que não acaba nunca. Para mim foi muito importante ter estudado com o Prof. Koellreuter, grande músico alemão que aportou aqui no Brasil, fugindo da Segunda Guerra. Tom Jobim, Guerra Peixe, Paulo Moura e muitos outros músicos importantes estudaram com este grande e polêmico mestre. Na música instrumental popular brasileira, pelo o que eu tenho percebido, geralmente não se dá muita importância ao estudo da composição, de se conhecer realmente a arte de compor. Outro dia um jovem músico super talentoso me pergutou: "Composição se estuda?"

VMI - Atualmente, você compõe bastante?

MS - Estou tentando voltar a compor bastante. São épocas. Até existem compositores que são compulsivos, eu até gostaria de compor todo dia. Têm outros que são mais esporádicos. Atualmente, estou voltando a compor. Mas são fases. Eu sou assim, têm épocas que fico na minha e não faço nada, mas aí me dá um negócio e começo a criar coisas novas. Às vezes, fico com muitos temas começados e não terminados. Mas um belo dia termino.

VMI - Quais festivais internacionais você já participou?

MS - Eu participei em Montreaux duas vezes com um compositor japonês chamado Seigen Ono, que tem um trabalho meio World Music. Depois, para Itália num festival chamado Times Songs, depois na Finlândia. Tocamos aqui com esse trabalho. Com o Bonsai fui para um festival de percussão no México, que o Guello foi chamado para participar e ele levou o Bonsai. Tocamos com a Orquestra Popular de Câmara num festival na Universidade de Miami e ano passado fomos para a Alemanha, Espanha e Bélgica. Fizemos nove apresentações em festivais mais voltados para a world music.

VMI - Como é a receptividade do músico brasileiro no exterior?

MS - É muito boa. Sempre se comenta muito do músico brasileiro ser muito bem recebido lá fora. O músico brasileiro transforma a música de outros países em outra coisa aqui. Quando estávamos lá em Montroux, o Toninho e o João Paraíba estavam lá também, e o Toninho começou a tocar e eu e o João fomos atrás. Aí, passou um pessoal da banda do Quincy Jones e eles ficaram impressionados e queriam que colocássemos no palco. Mas estávamos só brincando. A música brasileira é bem recebida lá fora.

VMI - Como foi sua experiência com o músico japonês Seigen Ono?

MS - Ele é uma figura engraçada. Ele é um engenheiro de som fantástico. Ele mixou os discos do Miles Davis, Jacó Pastorius e entre outros. Ele começou a se interessar por música e começou a compor. O Seigen usa umas formações estranhas com violino, viola, trombone e saxofone. Ele lembra um pouco a sonoridade da Orquestra Popular de Câmara. Ele gravou vários discos pela Sony Music. Depois ele montou uma gravadora dele. O som dele é uma misturada.

Ele é uma pessoa ótima e super organizado. Faz tempo que não tenho contato com ele, preciso reativar.

VMI - O que falta à música instrumental brasileira para ser mais valorizada no Brasil?

MS - Como muitas formas de expressão, falta podermos mostrar mais a música no Brasil. Se tivermos esse mecanismo de poder mostrar nosso trabalho, automaticamente, ela será mais aceita e comprada. Vivemos nesse sistema de mercado, então, existe um mercado potencial muito grande. A música instrumental precisa vir à tona para mostrar às pessoas que é uma forma de expressão artística, que vem sendo praticada há muitos anos. Então, se tem um corpo de conhecimento, uma tradição, muitos estilos e muitas maneiras de se tocar. Aqui no Brasil, é bastante peculiar isso. Não é como no jazz, apesar de se ter vários estilos, são todos bem fechados e definidos. A música instrumental brasileira tem um sabor próprio. Temos o choro, que para mim é a fonte de inspiração porque ele tem esse espírito de improvisação. Além de possuir uma técnica muito boa. Precisamos humanizar mais a sociedade. Ela está muito materialista e voltada ao dinheiro. E a música e outras artes lidam com o exercício de ser humano. E a música instrumental é vibracional. Ela provoca o ser humano, ela mexe com as pessoas.

VMI - O que você acha da nova geração de músicos?

MS - Eu acho muito boa. Acho que é um processo que se repete. Eu e os meus ídolos: Sion, Nelson Ayres, Paulo Moura, Hermeto Paschoal e Victor Assis Brasil; e os deles foram outros caras que vieram antes. É um padrão que vai se repetindo. Isso é muito lindo, pois é aí que nós vemos que a música instrumental brasileira, apesar de todas as dificuldades, é uma tradição viva, consistente, riquíssima e com muita variedade. E ela vem se mantendo justamente por causa deste processo de cada geração estimular a seguinte. Como sempre, tem uma geração de jovens músicos que estão sacando e fazendo trabalhos bonitos. É engraçado, pois temos a impressão que a molecada é muito rápida. Já com uns 20 poucos anos está tocando tudo. Mas acho que isso sempre aconteceu.

Acho que na nossa sociedade do espetáculo em que vivemos, se preocupa muito com a genialidade. Então, falamos que determinados músicos, mesmo jovens, são gênios. Eu não gosto muito desta questão. Acho bacana que se faça música boa e cada tipo tem suas características próprias. Não é uma competição, em que se siga um padrão pra ser um músico ideal. Você tem que aprender a lidar com as condições que se tem e a desenvolver musicalidade com que se tem. Mas isso tem a ver com a nossa época, que parece que o ego é muito valorizado e o destaque do músico. Às vezes, fico um pouco incomodado com isso. Acho que todas as gerações de músicos são maravilhosas e excelentes... Pronto!

Se vai falar que alguém é um gênio, fala do Bach ou do Beethoven. Eram pessoas que tinham um volume de criatividade e musicalidade muito grande e deixaram uma obra imensa. Na verdade, o ponto central que estou falando é o ser humano ser mais humano. Vamos humanizar mais. Não precisa ter a competição, que é o pior da nossa sociedade. Não existe isso. A música tem o papel unificador. Não estou tirando o gostinho de uma boa discussão, mas precisamos sempre lembrar que a música tem esse lado unificador e da convivência. Não é o espetáculo, que cria uma distância entre o público e o artista. Isso quem criou foi a nossa sociedade de consumo para se sustentar. Então, tudo tem que ser especial. E de repente as coisas são mais simples.

VMI - Para você, qual é o futuro da música instrumental no Brasil?

MS - Essa é difícil... Costuma-se dizer que o futuro depende do que fazemos no presente. Bom, gostaria muito que a chamada Música Instrumental Brasileira conseguisse se organizar mais. Fazer-se mais visível diante das secretarias de cultura e do público. Eu sinto que falta é a “cara” dela. Ela existe. Eu brinco sempre, comparando a música instrumental com o disco voador: Alguns dizem que existe e outros que já viram (risos). A produção de música instrumental até aumentou, mas o Brasil é um país enorme. Fazer um show fora o eixo Rio-São Paulo é complicado. É difícil fazer um show em Recife ou Salvador, por exemplo. Qualquer grupo que queira se deslocar é mais difícil. Eu sempre falo que se eu ganhasse na loteria, iria usar boa parte desta grana uma campanha cultural da música instrumental brasileira com matérias, debates e shows.

Eu sinto que falta um pouco da parte reflexiva da música instrumental, por exemplo, com comentários e críticas especializada. As pessoas gostam de música instrumental e é um público que tende a crescer, pois música boa pode se mostrar. Mas tem que colocar na rua e isso depende de nós também, pois se não soubermos nos articular, iremos ficar sempre a mercê da mentalidade vigente.

Eu sinto que o futuro da música instrumental brasileira está muito ligado ao que os próprios artistas vão fazer hoje. Por exemplo, acho que o festival de Tatuí tem sido um pólo importante de divulgação e difusão de música instrumental brasileira, mas isso acontece há 140 km de São Paulo uma vez por ano. E aqui em São Paulo mesmo não temos um evento análogo. Assim, como não tem em muitas outras capitais. E acho que o futuro seria esse. Isso consolidado na cultura brasileira, que a música instrumental brasileira é uma forma de arte mundial, mas que aqui no Brasil é muito forte e com uma história enorme e isso tem que ser passado às pessoas desde criança. Quantas pessoas nunca tiveram contato com esse tipo de música por falta de oportunidade? Não é raro encontrar um jovem de 15 anos que não sabe quem foi o Pixinguinha porque na casa dele não se cultiva esse tipo de música. Isso é um problema. Claro que ninguém é obrigado a gostar de choro ou de Pixinguinha, mas pelo menos conhecer é interessante. Saber que existe e ter ouvido alguma vez. Daí depende o futuro da música instrumental brasileira. Desse movimento que possamos fazer agora, que vem sendo feito de uma forma não muito organizada. Mas a palavra-chave da arte é organização. Precisa organizar a obra de arte e os meios em que esta obra possa ser mostrada. Então é isso aí!!!

Muito obrigada Mané!

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