A Gazeta
Caixa recupera a memória de Benedito Lacerda

por: Vitor Lopes
ES 27.07.2007

Projeto é o primeiro de trilogia que pretende resgatar a importância do músic
Pacote com quatro CDs traz gravações do flautista

O músico Benedito Lacerda (1903-1958) foi um dos nomes mais polêmicos da história da MPB. Criador da União Brasileira de Compositores (UBC), foi acusado de ser ladrão de sambas, passou parte da vida tendo de conviver com as mais diversas intrigas e, ao mesmo tempo, lutou pelo reconhecimento do músico como profissional, brigando pelos direitos autorais e abertura do mercado aos instrumentistas. Mas será que a polêmica em torno do nome de Benedito Lacerda foi o único legado que o músico deixou para as gerações futuras?

O ilustrador, pesquisador e músico Paulo Flores se incomodou com o assunto e resolveu pesquisar a fundo a obra musical de Benê, como o flautista se tornou conhecido entre os íntimos. O resultado desse trabalho está contido na caixa “Benê, O Flautista”, que acaba de chegar ao mercado reunindo quatro CDs com gravações antológicas registradas pelo músico a partir de 1930. O projeto é o primeiro de uma trilogia que pretende resgatar a importância do compositor no cenário nacional. “Esse fato de ele ser ladrão é uma sacanagem histórica. A generalização incomoda, principalmente essa estupidez da mídia, uma cultura burra em que ninguém vai a fundo. Isso no Brasil é muito mais pela fofoca, que chega a ter mais fundamento do que a verdade. Eu pensava: será que ele era ladrão mesmo? Fui procurar respostas”, afirma Flores, em entrevista ao Caderno Dois.

ALMIRANTE. Benedito Lacerda foi responsável por 800 gravações como acompanhante, 400 como compositor e 100 como intérprete. O único caso que gerou polêmica em torno da autoria de uma música foi em “Jardineira” (1939), em que ele e seu parceiro Humberto Porto foram acusados pelo compositor Almirante de terem se apropriado de uma canção popular do final do século XIX. A música pertenceria ao cordão Filhos da Primavera. Porém uma tentativa de chamar a atenção para um dos seus principais parceiros fez de Benê um refém do boato. Pixinguinha estava praticamente esquecido quando Benedito fez o acordo com o autor de “Carinhoso”. Qualquer composição que cada um dos dois fizesse seria registrada como parceria da dupla. “Isso só foi bom para todo mundo. Hoje, os chorões só tocam essas músicas. Esse repertório em parceria com o Pixinguinha é o top do choro”, afirma Flores.

Para compor esse projeto, o pesquisador Paulo Flores mergulhou no acervo de fonogramas do Instituto Moreira Salles e em fitas que sua aluna Corina Meyer tinha com gravações antigas de Benê e Pixinguinha. “Achei interessante como era feito o som na época e como eram as gravações. Achei bacana aquele despojamento e comecei a pesquisar”, comenta. “Começamos a procurar e vimos que não seria fácil. Mudei o projeto. No começo era só uma coletânea. Agora, mudei para três caixas. São milhares de músicas”, revela Flores.

Em “Benê, o Flautista”, os discos exploram a carreira do arranjador como solista (a partir de 1930), as composições ao lado de Pixinguinha (partindo de 1946) e o lado carnavalesco, com sambas, valsas e canções de seu regional, que acompanhou durante anos os principais intérpretes nacionais, como Carmen Miranda e Francisco Alves. Sobre a importância do projeto, Flores é categórico: “Ele é pouco citado em obras. É uma mesmice, tudo cópia um do outro. Criaram-se conceitos, como o de que ele roubava músicas. Eu quero dizer que não! A mídia quase acabou com ele. Eu tratei muito dessa visão musical, tentando mostrar o lado artístico dele. Acredito que, depois desse lançamento, a memória dele desenvolva um outro trajeto.”

Os principais parceiros

Poeta da Vila. Benedito Lacerda chegou a excursionar com Noel Rosa pelo Espírito Santo com o grupo Gente do Morro, trupe musical que tentava divulgar diversos sambas, numa tentativa de mercantilizar o gênero. Gênio Foi flautista, saxofonista e compositor. Juntou-se a Benedito Lacerda na década de 1940, numa parceria que rendeu muitos sucessos, como o choro “Um a Zero” e “Variações Sobre o Urubu e o Gavião”.
Fotos: Reprodução e Divulgação

“Quero deixar audíveis as verdades da época”
Pesquisador diz que procurou manter a fidelidade aos fonogramas originais

O trabalho de recuperação dos fonogramas gravados por Benedito Lacerda e que estão na caixa “Benê, o Flautista” foi feito a partir do acervo do Instituto Moreira Salles, com apoio do Collector ’s Studio (www.collectors.com.br) . As músicas estão disponibilizadas há anos para audição na Internet pelo site www.ims.com.br, mas só agora recebem um tratamento adequado em sua sonoridade.
A primeira coisa que eu descobri foi que estava tudo desafinado, inclusive as que estão para ouvir no site do Instituto. Eles fizeram apenas uma limpeza parcial. Nas a que eu tive acesso, eu não quis tirar o chiado. Quero deixar audíveis as verdades da época, como ele trabalhava e como eram os arranjos”, explica o pesquisador Paulo Flores.
O motivo do descompasso deve-se ao fato das rotações estarem diferentes entre a gravação e a reprodução. “Todas as músicas foram afinadas no padrão Lá = 440 Hz, o que resultou numa diferença brutal no andamento e no timbre, principalmente das vozes dos cantores”, escreve Flores no encarte do projeto.
Segundo o pesquisador, uma fonte primordial foi o programa “O Pessoal da Velha Guarda”, veiculado na extinta rádio Tupi. Os registros históricos estavam em discos de 78 rotações por minuto (RPM).
As gravações ao vivo do Pessoal da Velha Guarda eram fundamentais para compararmos com as gravações comerciais”, afirma Flores, que é flautista, compositor, arranjador – ao lado do pianista Paulo Braga – do Festival Brasil Instrumental e também professor do Conservatório de Tatuí, no interior de São Paulo.

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