Batera e Percussão
- nº 67
Nenê: ícone da música instrumental contemporânea

por: Carlos Ezequiel
foto: Tatyana Alves

Musicalidade Moderna

Ele é um dos poucos brasileiros reconhecidos no exterior como ícone da música instrumental contemporânea. Seus trabalhos ao lado de instrumentistas como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti e Charlie Haden, e de cantores da MPB como Elis Regina e Milton Nascimento, obtiveram prestígio unânime pelo mundo afora. Sua moderna concepção musical, transpondo para a bateria elementos melódicos e um extenso vocabulário de ritmos brasileiros, fizeram de Nenê uma referência de originalidade e renovação artística.

Nenê nasceu com o nome de Realcino Lima Filho, na cidade de Porto Alegre (RS), em 05 de fevereiro de 1947. Desde muito cedo já se interessava por percussão, mas aos 10 anos começou a tocar acordeon por influência do pai. Como a princípio sua paixão estava voltada para instrumentos rítmicos, o acordeon sempre foi tocado a contragosto. Ainda assim, aos 15 anos já era acordeonista profissional, se apresentando em bailes ou acompanhando artistas em TV e rádio que passavam pelo Rio Grande do Sul - dentre estes, gente como Nelson Gonçalves e Ângela Maria, por exemplo. Aos 16 anos conseguiu sua primeira bateria e passou a tocar e estudar por conta própria. Como qualquer autodedata, é óbvio que muitos dos conceitos que desenvolveu foram-lhe apresentados por músicos então mais experientes. Algumas de suas primeiras influências foram bateristas locais como Argus Montenegro, Mutinho, Gerci Saraiva e Samuel Baraldo.

A essa altura, mais precisamente na década de 60, o que mais se falava em termos de música brasileira na época era a bossa nova e o samba. Naturalmente, Nenê fez vários trabalhos que incorporaram esse conceito de trio de bossa nova desenvolvido a partir do sucesso do paulistano Zimbo Trio. Mas a linguagem do jazz logo captou a atenção. Um dos primeiros a apresentar o estilo foi o amigo Sérgio Mamão, que de cara já lhe trouxe um disco de free jazz do músico Ornette Coleman. Esses dois estilos musicais, bossa nova e jazz logo desencadeariam um processo de envolvimento contínuo com a música instrumental.

Aos 17 anos, Nenê alçou vôo de Porto Alegre e foi para Buenos Aires, na Argentina, onde passou um ano trabalhando e vivendo exclusivamente de música. Retornou ao Brasil em seguida e com o trio Ponto Três (ao lado dos músicos Cidinho e Sampaio), partiu para São Paulo afim de se engajarem no movimento da bossa nova. Por azar, a "onda" já estava passando, o programa Fino da Bossa chegava ao fim, e com isso Nenê viu seus planos mudarem rapidamente. Passou então a viver tocando na noite paulistana. Esse acabou sendo um importante período de amadurecimento para o músico, que já estava desenvolvendo as sementes de seu estilo próprio e precisava exercitá-lo ao lado de bons profissionais. Um destes chamava-se Aloísio Pontes, com quem Nenê teve uma produtiva associação. Por intermédio do próprio Aloísio, teve então a oportunidade de encontrar um músico recém-chegado do Nordeste cuja musicalidade já começava a ser reconhecida como, no mínimo, diferente. Tratava-se de Hermeto Pascoal, que então tocava na boate Stardust. Hermeto já trabalhava com o inovador grupo Quarteto Novo, ao lado de Heraldo do Monte, Theo de Barros e do percussionista Airto Moreira. O entrosamento dos quatro era muito sólido. Mas Airto decidiu partir para os EUA em 1970 e assim Nenê passou a tocar com o grupo, com quem ficou por dois anos.

O Quarteto Novo cessou suas atividades em 72 e assim, mais uma vez, Nenê voltou a tocar na noite, em bailes ou o que aparecesse em termos de trabalho. Com o grupo chamado Som Cinco, fez sua primeira turnê internacional para a União Soviética, ficando lá por três meses. Voltou ao Brasil e continuou a mesma rotina da noite até que Hermeto o procurou com a intenção de convidá-lo para seu novo grupo. Entusiasmado, Nenê abriu mão de uma turnê para o Japão para juntar-se ao albino, cuja proposta musical lhe fascinava. Ficou com a banda de Hermeto durante 10 anos, tornando-se grande responsável pelo som coeso que alcançaram e pela interpretação, até então ainda não vista, de ritmos regionais brasileiros como baião, xaxado e maracatu.

Mesmo enquanto estava com Hermeto, Nenê vez por outra intercalava trabalhos com outros artistas. Dentre estes merece destaque sua estada ao lado de Elis Regina em 74, com quem chegou a gravar o disco Falso Brilhante. Também acompanhou Dick Farney, Claudete Soares e Moacir Peixoto, entre outros. Quando parou efetivamente de trabalhar com o grupo de Hermeto, não tardou para que se tornasse um colaborador de outro grande nome da música instrumental brasileira surgido nos anos 70: Egberto Gismonti. Com ele, fez inúmeras apresentações pelo mundo no início dos anos 80 e ganhou alguns de seus mais aclamados discos, como Sanfona e Em família. Com uma característica sonora mais livre e melódica, esta fase com Gismonti veio no tempo certo após o desenvolvimento de uma linguagem mais rítmica com Hermeto.
Em uma dessas viagens à Europa, Nenê acabou ficando na França e viveu em Paris por 12 anos. Foi lá que o músico começou a desenvolver seu próprio trabalho como compositor.

<  voltar  -  top   


© Batera e Percussão