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Coluna Especial Melhores de 2006
2006 e os meus CDs

Por Rafael Fernandes
27/12/2006

Me considero um pessimista para a vida. Ok, nem tanto assim – talvez excessivamente realista. Em contrapartida, sou um otimista cultural – principalmente musical. Respeito e cultivo o passado, mas acho que há muito de bom musicalmente hoje e muito mais por vir. Neste 2006, que dá seus últimos respiros (sob torrenciais chuvas), acho que houve diversas provas de que a música continua nos dando pequenas pérolas, ou ao menos, muito alento e alegria para nossas vidas (hum, que poético...).

O ano começou bem, com o lançamento aqui de um disco lançado nos EUA em 2005 – Duos II, de Luciana Souza. O Brasil um dia ainda vai realmente “descobrir” o grande talento dessa fabulosa cantora. Já prestigiada em outros países parece só ser citada aqui quando é indicada ao Grammy – e apenas assim. Luciana Souza tem um canto elegante e está mais uma vez brilhante neste disco, claro, de duos (voz e violão). Dessa vez repete a dose do primeiro Duos com Marco Pereira e Romero Lubambo e acrescenta Swami Jr e Guilherme Monteiro em outras faixas. Ela aposta na regravações de clássicos, standarts brasileiros acrescentando sua personalidade; são incríveis as versões de “Sai dessa” (Nathan Marques e Ana Terra), “Nos horizontes do mundo” (Paulinho da Viola), "Sambadalú" (Marco Pereira) e, particularmente, a esplendorosa interpretação de “Trocando em miúdos” (Francis Hime e Chico Buarque). Continuando na seara de cantoras, Badi Assad lançou um disco bastante interessante, Wonderland, no qual mistura música pop (como “1000 Mirrors”, da banda Asian Dub Foundation e “Sweet dreams”, do Eurythmics) e música brasileira (“Distante demais”, de Lenine e Dudu Falcão e “O mundo é um moinho”, de Cartola) e consegue uma consistência sonora muito grande, que resulta num disco muito gostoso de ouvir.

Voltando aos duos, outros desse ano também merecem destaque. Um deles é Rio-Bahia de Joyce e Dori Caymmi. É um disco de sambas e bossas, mas com letras maiúsculas. Há quem ache que faz bossa, mas que é uma espécie de “bossa-requentada” que se usa apenas da batida e alguns “barulhinhos” de fundo, para dar uma cara moderna e o que sai é algo sem sal. O disco de Joyce e Dori (aliados a competente banda) tem muito suingue e alto uso de soluções harmônicas inusitadas; a faixa-título (de Joyce) é um novo clássico, “Joãozinho Boa-Pinta” (Geraldo Jaques e Haroldo Barbosa) um delicioso achado e “Fora de hora” (Dori e Chico Buarque) é uma belezura. Quer uma bossa realmente nova? Este é seu disco! Lua do arpoador, parceria (também voz e violão) de Leny Andrade e Romero Lubambo é outro que se usa de samba e bossa com vigor e frescor invejáveis; fizeram um belo contraponto entre compositores mais recentes (Moacyr Luz, em parcerias com Aldir Blanc e Sérgio Natureza em “Mandingueiro” e “No pedaço”, respectivamente) e medalhões (Carlos Lyra, Tom Jobim, entre outros) e também entre composições consagradas (“Triste”, de Tom Jobim e “Violão vadio”, de Baden Powell e Paulo Sérgio Pinheiro) e outros bons resgates (“Aqui, oh!”, Toninho Horta e “Desenredo”, de Ivan Lins e Gonzaquinha). Já a parceria de Ana Luiza e Luis Felipe Gama em “Linha d’água” foi uma boa surpresa; o show foi ótimo e o disco também, que também mescla bem compositores consagrados e novidade e que, apesar de um tanto longo, merece ser ouvido com atenção (falei bastante desse disco nesse texto ).

Também me surpreendi como um “duo” diferente: o disco Ode descontínua e remota para flauta e oboé – de Adriana para Dionísio, em que Zeca Baleiro musicou poemas de Hilda Hilst. Baleiro criou melodias incríveis a partir das frases, palavras e respiros e criou um clima instrumental que casou perfeitamente com a temática dos poemas, resultando numa feliz mistura de sofisticado e popular, em canções adocicadas de sutilezas. As interpretações são ótimas; pensei em escolher alguns destaques, mas são tantos que prefiro não pinçar nenhum, sob o risco de cometer injustiças ou enumerar todas as faixas. Além de tudo, o encarte é muito bem cuidado, ajudando a dar um clima especial ao disco.

Para mim, são três discos instrumentais de MPB os campeões de 2006: Edu Ribeiro, Marcus Tardelli e Toninho Ferragutti. Já falei sobre eles aqui, mas não custa repetir. Marcus Tadelli já tinha provado seu talento com o Maogani, mas em Unha & Carne cria um disco único, o disco que Guinga deveria ter feito, mas é possível que tenha ficado ainda melhor do que Guinga faria. Edu Ribeiro, em Já tô te esperando, acaba com o preconceito contra baterista com um disco extremamente musical, demonstrando ser um ótimo compositor e chutando pra longe o exibicionismo. E Toninho Ferragutti, em Nem Sol, nem Lua demonstra sensibilidade fora do comum, em composições e interpretações lindíssimas.

No pop o destaque foi o Peeping Tom, de Mike Patton (ex-Faith No More), mais engraçado, inteligente, irônico e safado que grande parte do pop atual. Misturando melodias bem “pattonianas” com batidas sugadas do hip hop, muitos samples, mas longe dos clichês, Patton fez um disco ótimo – apesar de um pouco indigesto à primeira audição. Traz participações hilárias de Bebel Gilberto na bossa-brega “Caipirinha” e Norah Jones em “Sucker”, na qual a cantora “meiguinha” aparece sussurrando letra que faz referência a felação. Minhas preferidas são “We’re not alone”, com o Dub Trio, “Don’t even trip”, com Amon Tobin, “Kill the DJ”, com Massive Attack e “Your neighborhood spaceman”, com Jel e Odd Nosdam. E seu eu fosse obrigado a escolher a música pop do ano ficaria com “Mojo”, com participação de Rahzel e Dan The Automator.

Em Almah – apesar de alguns momentos pastiche e outros meio bregas – Edu Falaschi (vocalista do Angra) se mostra um ótimo melodista do metal, capaz de criar músicas que grudam na cabeça. Destaque também para Edu Ardanuy – talvez o maior guitarrista de rock do país – nos ótimos solos de “Take back your spell”, “Forgotten land” e “Scary zone”. Falando em guitarrista, o colega de Angra de Falaschi, Kiko Loureiro, fez em Universo inverso um disco instrumental bastante interessante: aliado a outros ótimos músicos – Yaniel Matos (piano), Cuca Teixeira (bateria) e Carlinhos Noronha (baixo) – gravou um disco de fusion, em que mistura elementos do rock, jazz, música brasileira e latina com um resultado no mínimo interessante, que merece ser escutado sem preconceitos. Destaque para “Feijão de corda”, “Monday morning” e “Realidade paralela” (todas de Kiko).

Dois discos de rock em 2006 que não trouxeram nada de novo, mas gostei de ouvir foram Revelations, do Audioslave e Super colossal, de Joe Satriani. O Audioslave é uma “superbanda” com o instrumental do Rage Against The Machine (Tom Morello, guitarra; Tim Commerford, baixo e Brad Wilk, bateria) e o vocalista do Soundgarden, Chris Cornell – não podia dar errado. O resultado em Revelations é uma música bastante influenciada por Led Zeppelin com instrumental competente e boas melodias. Ouvi (e continuo ouvindo) a faixa-título por diversas vezes; ela remete ao “rock de arena” e traz ótimo solo de Tom Morello e refrão empolgante. Outros destaques são “One and the same” e “Original fire”. Super colossal de Joe Satriani também traz referências setentistas e não traz nada de muito novo – ele já tem um estilo característico. Mas ainda é capaz de criar ótimas músicas, como a faixa-titulo, “A cool new way”, “Crowd chant” e “The meaning of love”.

Certamente devem ter sido lançados centenas de grandes discos em 2006, ou outros que vou ficar desesperado por ter esquecido de colocar nessa lista. Que venha 2007 e me comprove, novamente, que meu otimismo faz sentido.

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