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Raízes Acústicas
por:
Rafael Furugen

fevereiro 2006 - nº 20

Buscando uma sonoridade mais próxima do natural, a
Banda Mantiqueira inova e redescobre um estilo de gravação
Atingir o sucesso é uma das principais metas para a maioria dos trabalhadores. Isso não é diferente quando o assunto abordado é a música. Mas, nessa busca incessante pelo auge, nem todos conseguem atingir o topo. O tão sonhado lugar ao sol é restrito e, nessa arte, pode ser considerado, até mesmo, injusto. Para adentrar no clube dos famosos é necessário muita disposição e, porque não, audácia. Qualidade, porem, não é um pré-requisito muito cobrado, haja vista algumas músicas que tocam nas rádios de todo o País.
Por ser muito extenso, o Brasil possui uma ampla variedade de estilos. Alguns, como o pagode, o axé e o pop rock, agradam as grandes massas , com isso, conseguem mais espaço na mídia. Dessa forma, atigem o auge de uma maneira mais rápida. Outros, porem, estão reclusos a pequenos nichos. Muitas pessoas nem conhecem os principais nomes internacionais de certos gêneros, tais quais o jazz, o soul e o blues.
Mesmo assim, os brasileiros que procuram trabalhar com esses estilos não encontram tantos entraves como antigamente. Muitas casas noturnas abrem as portas para essas apresentações. Além disso, as sonoridades mais desconhecidas já estão ganhando espaço em lojas de CDs, tendo, até mesmo, uma seção especial.
Muitos artistas nacionais já procuram misturar esses tipos de sonoridade com a brasileira. E um dos principais nomes quando se trata dessa mesclas de sons é a Banda Mantiqueira. O embrião desse conjunto foi gerado em 1983, mas apenas nas idéias de Nailor Azevedo, o Proveta. Naquela época, o músico morava com outros companheiros em uma república no bairro do Bixiga, situado na zona central da cidade de São Paulo. Conversando com o colega Walmir Gil, ele acreditava que uma big band era a melhor escola para o aperfeiçoamento do instrumentista, por causa da disciplina que esse tipo de formação sugere.
Somente em 1985, porém, eles formaram a Banda Aquarius. No mesmo ano, os dois também participaram do Sambop Brass, que era liderado pelo trombonista François de Lima. Ambos os conjuntos fizeram muito sucesso durante as apresentações, mas terminaram rapidamente. Por falta de oportunidade, nenhum trabalho realizado por eles foi gravado.
Proveta, porém, não desistiu e passou a escrever arranjos para composições de grandes mestres, como Cartola e Tom Jobim. Gil e Edson Alves, violonista e contrabaixista, também ajudaram nessa tarefa. Com isso, resolveram fazer um processo seletivo para formar a Banda Mantiqueira. Os integrantes deveriam ansiar por liberdade de expressão com a aplicação de uma linguagem com suing brasileiro.
Formação Decca Tree - imagem estereofônica com reverberação natural
Atualmente, os músicos que compõe essa big band trabalham com outros artistas, como Caetano Veloso, Gal Costa e César Camargo Mariano. Mas a Banda Mantiqueira continua produzindo os próprios projetos. Recentemente, lançaram o quarto disco da carreira. Intitulado Terra Amantiquira, o álbum conta com diversas novidades, como gravação "ao vivo", mas realizada no estúdio.
O produtor dessa novidade foi Homero Lotito. Esse profissional formou-se em piano erudito, trompa, contraponto e harmonia pela Escola Municipal de Música de São Paulo. Além disso, trabalhou como músico e arranjador para diversos artistas e, também, para o mercado publicitário. Desde 1985, atua como engenheiro de áudio e é dono de um dos principais estúdios de masterização do Brasil, o Reference Studio.
Confira a entrevista com Lotito e saiba mais sobre a gravação desse disco.

Qual foi a primeira idéia em relação à gravação do novo disco da Banda Mantiqueira?
O Lucinei (de Lima Luiz) e eu já conheciamos a banda. Assistimos alguns shows e ouvimos os CDs. Por isso, a proposta inicial que tínhamos era fazer uma gravação "ao vivo". Contudo, também procuramos uma sonoridade mais acústica, feita por meio do posicionamento dos instrumentos e microfones. Resolvi conversar com o Proveta e mostrei uma série de discos com as características da proposta. Faríamos o disco e seríamos os donos da master junto com a banda. Esse foi o começo de tudo.

Então a proposta era realmente fazer algo mais acústico?
Isso. Procuramos fazer uma sonoridade diferente das quais eles vinham obtendo com os trabalhos anteriores. A gravação seria mais acústica. Não sei como foram feitas nas outras oportunidades, mas sentia que os discos possuíam aquela coisa parecida com estúdio, muito convencional. Por isso, arriscamos fazer "ao vivo", com todos tocando em um ambiente único.

Por ser gravado ao vivo, houve necessidade de fazer algum overdub?
Não utilizamos esse artifício. Na verdade, fizemos uma única vez. Uma canção foi gravada sem o tema, posteriormente inserido com um trombone. Percebemos a necessidade dessa melodia e resolvemos utilizar esse recurso. Mas tudo foi feito "ao vivo", em um take único e sem emendas. Foram seis dias de trabalho. Gravamos todas as canções do disco e mais alguns extras, com músicas que eles já tinham produzido. Esse material, porém, visará o mercado externo, pois eles já lançaram aqui. Mas temos mais produções para fazer um remanejamento desse repertório.

Homero Lotito - Percepção apurada e bom gosto sonoro
Gravar "ao vivo" é a tendência?
Para fazer um trabalho desses, com qualidade, ficamos totalmente dependentes de quem está tocando. Em um disco com a participação de vários convidados, por exemplo, é quase impossível fazer isso. No entanto, os trabalhos com grupos que tocam juntos há algum tempo são viáveis. E temos feito muita coisa assim. Essas bandas, ensaiadas procuram fazer tudo "ao vivo". Quando fomos gravar a Mantiqueira, que é um grupo grande, que conta com 14 integrantes, sugeriram diversas idéias. Será que devemos isolar o baixo em algum lugar? Precisamos colocar a bateria em algum canto? Será necessário usar uma tapadeira, ou não? No fim das contas, resolvemos fazer com todos os músicos na sala, inclusive o baixo, e a guitarra, com um pouco de amplificação e sem isolar. Optamos por, na maior parte do tempo, não utilizar barreiras, já que eles precisavam se olhar. E isso resultou em uma coisa muito interessante: praticamente ninguém precisou usar fones de ouvido. Todos tocaram do jeito costumeiro, sem a necessidade de se referenciar por eles. Acredito que foi uma grande vantagem no trabalho, pois, com esse tipo de monitoração, existe muita confusão da qualidade de dinâmica que o músico faz e como é que ele encaminha isso. Quando ele está ouvindo da maneira que ele está acostumado, acaba fazendo o equilíbrio ali mesmo, sem precisar de referência.

E como foi feita a microfonação dos instrumentos?
A idéia era captar o espaço e ter uma perspectiva frontal da banda. Por isso, resolvemos utilizar uma formação em Decca Tree, aquele estéreo com três microfones. Esse seria o principal. Mas também usamos captadores perto dos músicos responsáveis pelos solos, mais três na bateria e um em cada percussão. Eles só foram utilizados para ter uma definição, trazer a cozinha um pouco mais . Mas fomos cuidadosos , já que gostaríamos de tê-la onde estava. Depois, foi só acertar o tempo nos microfones de trás com os da frente. Contudo, posso dizer que, basicamente, a captação foi feita pelos três frontais. O baixo e a guitarra entraram direto pela linha. Nos microfones, quase não aparecem.

Onde foi feito esse trabalho
Para a gravação, resolvemos alugar o estúdio da Comep (Comunicação Musical Editora Paulinas). É uma sala muito ampla e com pé-direito alto. Para nossa sorte, a banda coube. Lá, eles possuem os próprios equipamentos, mas acabamos por usar os nossos, o do Reference. Somente os microfones deles foram utilizados. Levamos toda a eletrônica e os cabos, que chegaram quase a 200 metros. Portanto, montamos toda a cabeação.

Quais os pricipais equipamentos utilizados nessa produção?
A estação usada foi uma Sonic Solution. Gravamos tudo em 24/96. Também utilizamos alguns conversores da DCS, como o 904, que é AD, o 954 DA para monitores e dois 972 e 974, que é DD. A monitoração foi feita com caixas Craft, que é da Dynaudio. Os amplificadores foram da Bryston e os cabos da Van den Hul. Usamos três prés da Voxbox, um Millennia de oito canais e dois Avalon.

Vocês elaboraram o projeto visando a produção do SACD?
A masterização foi feita em 24/96. Então, só foi preciso converter para CD. Mas a idéia principal é pegar o material com esse repertório que mudaremos um pouco, e fazer uma produção para Super Audio. Isso, porém, dependerá do que negociarmos.

Houve algum cuidado especial durante a gravação e a mixagem?
O principal foi durante a gravação. O cuidado especial, nesse caso, foi a escolha dos equipamentos. Prestamos muita atenção com a cabeação e com a energia elétrica. Tanto é que ligamos todos os equipamentos em um circuito separado de tudo que eles tinham. Foi direto do relógio.

A utilização dos três microfones na frente, que em princípio foi elaborada para o SACD, ofereceu algo diferente em um CD convencional?
Dessa maneira, aquelas reflexões que acontecem na sala e o som original são captados pelos mesmos microfones. Esse realismo é impossível de conseguir de uma forma artificial. Não adianta fazer pan ou colocar reverb, pois esse interação acústica que o transdutor registra junto com as reflexões é o que dá a melhor idéia do posicionamento dos instrumentos. Não se consegue esse resultado quando a gravação é esta separadamente e, depois, tentam simular isso.

A gravação foi feita em L e R. E no SACD?
No Super Áudio CD, a idéia é fazer estéreo. Senão teríamos que pensar em uma gravação diferente. E não temos condições de fazer isso agora. Nesse formato, aproveitamos toda a resolução que temos sem perder nada quando passamos para o CD.

Houve alguma idéia durante a gravação que modificou a sonoridade de alguma música?
Não. Tudo foi bem purista. Não houve muito processamento na següência. Existe alguma equalização, compressão no baixo e adicionamos um pouco de reverb da sala, pois, em termos de tempo, ele é curto. O que realmente vale mais, do que é captado da sala, são essas primeiras interações. Depois, adicionamos esse efeito para dar mais tamanho. Basicamente foi isso. Não houve nada muito exótico para modificar.

Fizeram experimentações?
Isso aconteceu durante a gravação, mas, principalmente, na questão da escolha dos microfones. Os três da frente são omnidirecionais. Já estávamos certos de que seriam esses. A grande experimentação ocorreu com os captadores da percussão.

Há muitas diferenças entre a produção de CD e de SACD?
Quase não existem diferenças. No SACD, podemos aproveitar toda a resolução que captamos. Basicamente, sabíamos que ela seria necessária. Já no CD, precisamos fazer o final em 16/44.

O mercado de SACD está crescendo?
Não acredito nisso. Aqui no Brasil, por exemplo, é fraquíssimo. Lá fora as coisas estão se desenvolvendo de uma forma melhor. Atualmente, é possível encontrar alguns lançamentos mais populares. Já saiu Rolling Stones, Pink Floyd, Bob Dylan, Beyoncè. Esse mercado não está mais restrito à música clássica. No Brasil, porém, não há como dar um empurrão. É preciso que exista uma prensagem nacional para começar a engrenar. Esse é o principal problema que enfrentamos. Sempre que precisamos fazer esse tipo de trabalho, é feito fora do País. Os dois que acompanhei, o do André Geraissati e do André Mehmari, foram produzidos na Alemanha. Isso acaba complicando muito, já que temos que importar os discos. Então, além de ser um SACD, ele também chega como produto estrangeiro. Sem essas barreiras, já poderíamos estar fazendo esse tipo de produção.

Os equipamentos são muito caro?
Na verdade, é possível fazer trabalho para SACD com qualquer equipamento. Contanto que se faça a masterização em DSD. Com isso, podemos fazer analógico ou 24/96 PCM. Mas gravar direto em DSD é bem complicado.

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