O Globo - Segundo Caderno
- 17/04/2004
"SEM MEDO DE VOLTAR À MÚSICA"

Por Hugo Sukman - Fotos de divulgação / Kris Knack

"Theo de Barros, co-autor de "Disparada", lança CD com 15 das 150 composições que fez nos últimos três anos"

A estrada quase imperceptível daquele homem discreto num botequim de São Paulo não chama a atenção. Até que alguém da mesa, não por acaso seu amigo e parceiro Paulo César Pinheiro, brada:
– E aí, Theo, senta aqui!
Para quem Theo de Barros é um mito, um nome nos velhos LPs – o compositor por trás do primeiro sucesso de Elis Regina (a jazzística "Menino das Laranjas"), o parceiro de Geraldo Vandré em "Disparada", um dos criadores, ao lado de Airto Moreira, Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte do célebre Quarteto Novo, uma das coisa mais modernas e brasileiras que o Brasil já produziu em termos de música – sua personificação ali, de surpresa num bar paulistano, espanta.
   Tímido e de voz baixa, o cordial Theo muito fala de música mas pouco fala de si durante a noite cervejeira. Mas Paulo César Pinheiro dá a pista:
– Sabia que Theo que compôs só umas 30 canções na vida, nos últimos três anos já fez umas 150? E ótimas... – diz o parceiro que tanto incentivou Theo a voltar a compor.
   E durante a noite fica-se sabendo que Theo acaba de gravar um disco, as novas composições bem arranjadas pelo próprio, com direito a banda de luxo – Cido Bianchi (piano), Arismar do Espírito Santo (baixo), Teco Cardoso e Léa Freire (flautas), Caído Marcondes (percurssão), etc – e até as cordas da Osesp e a participações de cantores como Mônica Salmaso e Renato Braz. E Theo promete mandar o CD ao reporter do GLOBO assim que ficasse pronto.
   A fábrica em Manaus atrasa, o correio demora, finalmente chega "Theo" (Maritaca e Núcleo Contemporâneo). Um espanto ainda maior do que a entrada do compositor no bar, semanas antes. Logo na primeira faixa, "Angola", tem-se a sensação de, no bom sentido, uma viagem no tempo, a canção de Theo com Paulo César Pinheiro poderia tranqüilamente disputar – e ganhar – um festival daqueles do fim dos anos 60. Pelo clima épico, cheio de expectativas; pela temática negra; pela bela melodia e pela rica harmonia, por tudo, "Angola" é uma típica música que, sabe-se lá por quê, ninguém mais faz. As outras 15 canções confirmam que Theo é dono do universo de composição próprio, moderno, ainda que profundamente ligado a tudo que ele fez há 40 anos.
– Meu medo era parecer patético – confessa agora Theo, menos irônico do que a frase pode insinuar. – Isso de começar de novo não me parecia o ideal. Mas pelo resultado, acho que não ficou patético. É uma tentativa mesmo de recuperar uma música melódica, moderna e brasileira.
   Não foi sem sofrimento que se deu seu afastamento e sua volta ao proscênio da música popular
– Parei de compor por falta de motivação mesmo, pelos rumos que a música tomou a partir dos anos 70 – narra Theo. – Preocupado em pagar as contas, fui para a publicidade, onde fiquei por duas décadas. Se pouco me desenvolvi como compositor ou mesmo violonista na publicidade, eu me aperfeiçoei em gravação, em produção. Mas não dava mais, isso de contar mentira o tempo todo. Estava me fazendo mal fisicamente, fiquei até doente.

"Quarteto em busca do moderno"

• Ironicamente, se antes a publicidade foi o ganha-pão no lugar da música, agora, com o estabelecimento dos teclados e dos computadores na produção musical de comerciais, a música voltou a ser alternativa para Theo. Carioca, filho de um diretor de rádio dos Diários Associados, ele mudou-se adolescente para São Paulo, onde desenvolveu sua carreira. Tão bem-sucedida como compositor, como músico e como arranjador, que impressiona o fato de ele ter trocado as três pela publicidade.
   Se o desinteresse pela composição veio pelos rumos diversos que a MPB tomara a partir dos anos 70, o arranjador Theo de Barros (em discos como "É preciso cantar", de Carlos Lyra, e direções musicais de peças do Arena) foi sendo perdido para a publicidade. O instrumentista se intimidou diante do fim do Quarteto Novo, provocado primeiro pela ida do baterista Airto Moreira para os EUA. Depois, mesmo com novo baterista, Nenê, o grupo foi sumindo.
– Tivemos a oferta de Sérgio Mendes de ir para os Estados Unidos, mas não fomos – diz Theo. – Aí o grupo foi acabando naturalmente, cada um precisava trabalhar.
   O Quarteto Novo foi um marco. Nasceu Trio Novo, em 1966, para acompanhar Geraldo Vandré. A onda do grupo, um sonho de Airto Moreira, era fazer um disco de música moderna que fugisse do célebre trio de piano-baixo-bateria do jazz, predominante também na música brasileira. Seria violão (Theo), viola Caipira (Heraldo), bateria (Airto). Com a entrada de Hermeto (flauta), o trio virou Quarteto Novo e gravou, em 1967, disco antológico, recém-relançado pela EMI. Ficaria famoso também por acompanhar Edu Lobo no "Ponteio" e Sérgio Ricardo em "Beto bom de bola", a famosa música que fez o compositor quebrar o violão no Festival da Record em 1967.
– Iríamos acompanhar também Gilberto Gil em "Domingo no parque" mas não entramos em acordo com aquele negócio de Tropicália, não – diz Theo.
   De discos próprios, Theo lançou apenas dois. "Primeiro disco" (Eldorado), de 1980: álbum duplo com vinte de suas canções e cantores variados. Em 1997, quando resolveu voltar à ativa, fez "Violão solo" Paulíneas), de composições próprias e clássicos da música brasileira. Agora animado com os novos rumos da música brasileira independente, reassumiu sua porção de cantor, compositor, arranjador e violonista – faz tudo isso em "Theo".
– Sou jurado de festivais por aí e vejo que há espaço de novo para a minha música – diz, citando os novos talentos o paulista Rafael Altério e o mineiro Renato Motha.
   Em poucos dias, "Theo" chega às lojas. A surpresa pelo renascimento de um compositor é garantida.

"Tradução musical e poética de um certo Brasil"
–Disco Crítica


Seja num épico como "Angola" ou um momento íntimo como "Aquele carinho", Theo de Barros provoca no ouvinte um momento de incompreensão: por que compositor tão de mão-cheia ficou longe do ofício por tanto tempo? O curioso é que, mesmo sem praticar, Theo até mesmo melhorou como compositor. Para ficar nos exemplos citados, "Angola" é mais pessoal, mais única que "Disparada" e "Aquele carinho", de raro sabor jazzístico e impressionista também carrega ainda mais o estilo de seu autor do que "Menino das laranjas".
   Claro que as ótimas letras de Paulo César Pinheiro muito contribuem para isso. Mas é na composição e nos arranjos de Theo que está a grande surpresa de "Theo". O espírito nordestino-moderno do Quarteto Novo está todo na instrumental "Aguapés", mas tocada por músicos de hoje. É a ponte entre passado e futuro filtrada pelo espírito modernista que sempre marcou Theo.
   Da nova geração de compositores, Theo elegeu como parceira a letrista carioca Cristina Saraiva, com quem fez a intimista "Amor de poeta". Seu filho, o cantor e compositor Ricardo Barros, divide os vocais com o pai em duas faixas ("Angola" e "Embolada") e também mostra-se compositor de inspiração brasileira em "Zé menino". Já numa nova ponte, Theo recupera sua primeira música gravada (por Alaíde Costa, em 1961), "Natureza", recriada agora por Mônica Salmaso, curiosamente numa pegada mais jazzística, distante do estilo da cantora (e que lhe abre novos caminhos).
   Seja em temas marinhos ("Marinheira morena"), seja em temas interioranos (a épica "Suíte das sete violas", oito minutos de letra de Pinheiro sobre o principal instrumento do interior do Brasil), Theo comprova-se um compositor com vocação para traduzir o Brasil. Ainda que menos prolífico, como universo autoral, pela brasilidade e pela modernidade, situa-se em algum lugar entre Edu Lobo e Guinga. (H.S.)

Theo: Composições e arranjos são os maiores trunfos de um disco de espírito modernista.

<  voltar  -  top   


© O Globo