Revista Sax & Metais
O trompete versatil do 'Nego Véio'
por:
Regia Valente
fotos:
Maria Stela Martins

Ano 2006 - nº 2

Walmir Gil
Walmir Gil é um dos trompetistas mais requisitados atualmente e já gravou com cantores como Caetano Veloso, Gal Costa e músicos como o pianista César Camargho Mariano.

Com o amigo Anilor Azevedo, o Proveta, fundou a elogiadíssima Banda Mantiqueira. Tocou por muitos anos com o cantor Djavan e já esteve ao lado de grandes nomes da música brasileira. Recentemente, lançou seu primeiro CD-solo. "Foi por acaso", brinca ele. Dono de uma trajetória sólida, Walmir Gil é um dos mais renomados instrumentistas brasileiros.

A música sempre esteve presente na vida do trompetista. Ele conviveu com estímulos musicais muito fortes, já que o avô, Sebastião Gil, era regente de bandas civis e militares e regia um grupo chamado Lira Musical Pedro Salgado. "Eu o acompanhei desde os 5 anos. Como sempre lidou com a música, mesmo depois de se aposentar da carreira militar, passou a dar aula de música em casa", conta o trompetista.
Ainda criança, ele sabia que a música estava em seu caminho. Algum tempo depois, aos 6 anos, Gil desafiou o avô: "Eu sei fazer essa lição", apontando para a trompa,. "Ele falou para eu ir brincar com outras crianças, mas insisti, até ele deixar. Fui bem claro com ele: 'Se eu não conseguir ler a partitura, nunca mais falo disso'", conta o músico. Instigado pela curiosidade o avô deixou. E qual não foi a surpresa quando Gil dedilhou bem o instrumento. "Aprendi de tanto ouvir e prestar atenção durante as aulas de leitura e teoria musical lá em casa", justifica.
Já aos 13 anos, integrou a Banda Mirim de Rudge Ramos, no ABC paulista. Mudou-se para Santos e, depois para São Paulo, quando passou a ser requisitado para integrar grupos com profissionais tarimbados, como o Maestro Branco, que animava as noitadas do saudoso Ópera Cabaré. Quando fez parte da banda do 150 Night Club do hotel Maksoud, na capital paulistana, pôde acompanhar nomes respeitáveis da música como Benny Carter, Anita O'Day, Paquito D'Rivera, entre outros. Para completar o currículo, dos músicos brasileiros, tocou com César Camargo Mariano, Fafá de Belém, Caetano Veloso, Djavan (a quem acompanhou em turnês), Gal Costa, Cauby Peixoto e Rosa Passos, uma lista enorme que comprova que Gil nasceu mesmo para o trompete.
A história de Gil com esse instrumento tem fortes influências familiares, já que ele vem de um clã musical, com parentes que até se tornaram virtuosos, segundo ele, mas não dedicaram suas carreiras integralmente à música. Seguindo a linhagem do DNA musical, dos seis filhos de Gil - ambém conhecido como Nego Véio -, um deles, o primogênito William Gil "Zulu", está terminando seu primeiro CD, em que o pai participa; outro, Rafael, estudou guitarra, mas agora se dedica à faculdade de engenharia da computação. "Acaba sobrando pouco tempo para a música", diz o pai Gil, que nunca forçou os filhos a seguirem a mesma carreira.. "Só exijo que eles estudem, porque em qualquer área é presiso. Sempre os deixei livres, como meu pai e meu avô fizeram."

Músico com diploma
Depois de muito tempo de estrada, Gil resolver estudar música de forma acadêmica. Apesar de tanta experiência, sentia falta de um conhecimento teórico, até para se preparar para passar adiante sua técnica aos mais jovens. Formou-se pelo Mozarteum Paulista e tentou vaga de mestrado na Escola de Comunicações a Artes da Universidade de São Paulo (USP), em meados doa anos 80. O diretor da escola chegou a elogiar o desempenho do trompetista na prova, e o nível de familiaridade com o instrumento. "Havia alguns cursos, na época, mas curiosamente, nenhum de música popular brasileira, o que eu gostaria de fazer", diz o músico. "Tentei na USP e, quando o diretor me perguntou sobre qual tema eu gostaria de defender tese, respondi: 'O trompete na música popular brasileira'. Ele logo negou. Acabei não fazendo, mas hoje existem universidades com a cadeira música popular brasileira", lembra Gil, que sempre teve uma forte veia de professor: ministra freqüentemente oficinasa de música em festivais e escolas. "Com a Internet, há escolas fazendo intercâmbio com grandes faculdades e a turma jovem aprende muito mais rápido, porque tem mais conhecimento à disposição." Mas ele avisa: "É só na prática que vamos pegando os macetes, conhecendo a rotina".

Comparado à Europa e aos Estados Unidos, o Brasil está engatinhando, mas Gil é otimista. "No meu tempo, não havia escolas como se tem hoje, com salas de concerto, de canto, de prática. Lá fora, isso é comum. Recentemente estive nos EUA para fazer um curso com William Adam, um grande trompetista norte americano. O próprio Adam me indicou a universidade de Indiana para praticar. Fique realmente bem impressionado com a estrutura: cada uma das 400 salas tinha um piano, isolamento acústico, e todas funcionavam 24 horas. Lá eles levam isso muito a sério. E olha que esta escola existe há mais de 50 anos", comenta Gil.
Com mais de três décadas de estrada, Gil só fui produzir seu primeiro CD-solo no fim do ano passado, chamado Passaporte (Tratore Discos). Curiosamente, o trabalho foi lançado antes em Londres e só recentemente chegou ao Brasil. "Mas esse CD não foi planejado", declara Gil, quando perguntado sobre o processo de produção do álbum, em parceria com o baterista percussionista e produtor inglês Chris Wells, um grande admirador da música brasileira.

Sax & Metais - como tudo aconteceu?
Walmir Gil - Nós nos conhecemos em 2002, durante uma turnê minha na Inglaterra. Ele disse que um dia gostaria de trabalhar comigo. Deixei meus contatos com ele, mas foi só. Em 2003, ele veio para o Brasil e me ligou, disse que ia gravar um disco-solo, me convidou para participar. Mas acabou não dando certo. Um tempo depois, estava com a banda Mantiqueira em uma tornê e viajei para Londres, quando retomamos o contato. No ano seguinte, ele veio para o Brasil e me chamou para fazer dois solos no disco que estava produzindo. Ele pediu para gravar mais músicas e acabamos formando uma banda internacional, a Azul, com um organista americano, Charlie Wood, que mora em Memphis; eu, no trompete, Chris na bateria, e um guitarrista da Bahia, Webster Santos, que não está mais na banda e hoje mora em São Paulo. Um ano depois, o Chris voltou ao Brasil e me chamou para um outro projeto, um CD com solos de trompete e flugelhorn e aí nasceu o Passaporte.

Sax & Metais - Como é o estilo do CD?
WG - Como o próprio nome diz, traz músicas que lembram viagens, saídas e passagens. Costumo chamar de uma trilha sonora para uma viagem imaginária em que exploram diversos tipos de sonoridade, do trompete e do flugelhorn, por meio de estilos musicais de jazz, R&B e MPB. Posso dizer que é álbum de smooth jazz. Foi gravado em apenas dois dias, em setembro de 2004, com um complemento de duas semanas em que o Chris, que tem uma produtora independente - a Moophonix, em Londres -, trabalhou adicionando, arranjos de bateria, percussão e mixagem.

A Importância do Aquecimento
Walmir Gil


O músico jamais deve ignorar o aquecimento, pois uma performance é também
uma atividade atlética que, em alguns trabalhos, pode ser considerado até de médio para alto impacto.
Quando tocamos ou cantamos utilizamos centenas de músculos que precisam ser preparados e lembrados em que estarão envolvidos. Como trompetista, sugiro que se comece com um leve alongamento na região do pescoço e ombros, pois na garganta e pescoço temos vários músculos ligado à língua. Podemos seguir com, alguns exercícios de respiração, porque a quantidade de ar utilizada para tocar ou cantar difere da que usamos para falar. No mercado há excelentes livros para a prática de uma boa respiração, como os que acompanham alguns métodos: James Stamp ou 80 exercícios respiratórios de Svásthya Yoga (Ana Maria Marinho - Editora Global/Ground).
Passamos a seguir para a parte aural, se o tempo permitir, que envolve exercícios de percepção (identificação de intervalos, acordes escalas, etc.). Para os trompetistas, há inúmeros e maravilhosos livros com diferentes rotinas, na qual o músico, de acxordo com suas necessidades, deve escolher o que melhor funciona ou se adapta ao seu tipo de trabalho. Sugiro também que o músico procure a orientação de um amigo ou professor, para que tenha certeza do caminho a percorrer.
Falando da minha rotina: começo com os exercícios de alongamento, depois alguns exercícios de respiração, percepção e, em seguida toco algumas escalas no bocal ou sopro no lide pipe (depende do dia e do meu tempo disponível), aqueço com notas longas, intervalos, flexibilidade, escalas e, finalmente corro para a música!



Preparo físico para o trompete

Tecnicamente é um dos líderes de dificuldade entre os instrumentos de sopro. O fato de ter começado com a trompa, quando criança, ajudou Gil a se adaptar melhor à embocadura do trompete. "É um instrumento que exige uma manutenção bastante rigorosa de limpeza, ser guardado corretamente no estojo e, principalmente, a manutenção física do próprio instrumentista. O trompete é muito difícil de soprar, necessita muita resistência. Se você fizer uma maratona de instrumentistas de sopro, certamente os trompetistas serão os primeiros a parar de tocar. Depois viriam os que tocam trombone, tuba, clarinete e, por fim, o sax. Isso significa que, para agüentar tocar das 8 da manhã às 8 da noite é preciso manter a boa forma."
Gil corre todos os dias de sua casa, no centro de São Paulo, até o Parque Ibirapuera, e lá completa a trajetória de 12 quilômetros. No dia da entrevista para esta matéria, Gil já havia cumprido sua tarefa . "Saí de casa às 5h30 e corri durante duas horas", conta. Só em dias de show e viagens, quando chega cansado, é que ele abre uma exceção.

Banda Mantiqueira: Referência Nacional

Certamente, um dos fatos que impulsionou a carreira de Gil, especialmente em exposição à mídia, foi a formação da Banda Mantiqueira, em 1991. Ao lado do colega clarinetista Nailor Azevedo, o Proveta, iniciaram um trabalho ousado e difícil para o cenário musical brasileiro: uma banda só com versões instrumentais de músicas já conhecidas. A banda ganhou o respeito do público e da crítica, e foi até indicada ao Grammy em 1998 pelo CD Aldeia.
Dos discos da banda (Aldeia, de 1996, Bixiga, de 2000, ambos lançados pelo selo Pau Brasil, além de dois CDs gravados com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, com quem se apresentaram inúmeras vezes, Gil conta que cada um tem duas músicas autorais, dos compositores e arranjadores da banda, Proveta e Edson, e as outras faixas são interpretações de outros artistas. Esta é, na verdade uma filosofia dos integrantes em relação às gravações da Mantiqueira. "Lançar uma música nova é uma ação de risco, pois você está colocando no mercado algo que ninguém conhece, nunca ouviu. Por outro lado, para a banda crescer, essas gravações foram importantes, mostrando a nossa leitura das músicas. Gostamos de tocar Pixinguinha, Tom Jobim, Dorival Caymmi, João Bosco, são artistas que admiramos. É bacana ter versões instrumentais como uma big band. Acaba se tornando, de certo modo, uma referência e valoriza o trabalho dos músicos, como também do artista e compositor."

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