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Paulo Braga

Por: Mariana Sayad e João Marcondes
Abril 2007

Um grande educador da música instrumental

Paulo Braga é um grande pianista, que atua tanto na música popular, quanto na erudita com o mesmo entusiasmo e talento. Esta é umas das características que define um grande músico, pois vê a sua arte sem as barreiras do estilo. Além de instrumentista e compositor, Paulo se dedica muito na arte de lecionar. Atualmente, dá aula no Conservatório de Tatuí no departamento de Música Popular, que inclusive foi criado por ele em 1990. E no CEM - Centro de Estudos Musicais (antiga ULM) - em São Paulo.

A entrevista com ele aconteceu em duas etapas realizadas no CEM. A primeira foi para um site, chamado Brasil Arte Cultural. E a segunda foi a complementação dessa para poder fazer parte do projeto “Vozes da Música Instrumental”. As entrevistas aconteceram dias 30 de abril de 2004 e 03 de dezembro de 2004.

Mariana Sayad


Nome Completo: Paulo Braga Guimarães
Data de nascimento: 10 de outubro de 1963
Local de nascimento: Jundiaí
Em que cidade mora atualmente: Tatuí é o meu endereço de correspondência. Desde 1978.

Vozes da Música Instrumental
Como começaram seus estudos em piano.


Paulo Braga
A minha irmã é pianista, então, já tinha o piano em casa. Comecei a estudar com sete anos lá em Jundiaí piano clássico até uns 11 ou 12 anos. O irmão mais novo sempre segue o mais velho, sendo assim, a minha irmã tinha se formado lá em Jundiaí e precisava fazer o aperfeiçoamento, então alguns amigos indicaram a escola de Tatuí para ela, aí fui eu com ela, dentro da mala (risos).

Eu ia entrar lá em piano, mas a priore não podia fazer só piano, tinha que fazer outro instrumento. Eu achava legal saxofone, porque passava um programa na TV Cultura, eu acho, que era a Traditional Jazz Band tocando. Eu adorava aquela música, mas não tinha piano... Depois, acabei desistindo do sax..

VMI - Fale um pouco sobre suas influências.

PB - Olha... Durante a vida, vamos mudando de “musos” (risos). Você vai mudando de coisas com que se identifique e inspire. Então, essa trajetória, que tive de estudar música erudita sempre, me abriu os horizontes para um outro tipo de música um pouco mais amplo em termos de sonoridades.

As coisas que mais me influenciam na música popular são trabalhos, que têm essa preocupação de um universo rico em sonoridades e de perspectiva. São várias coisas acontecendo, mas cada uma em seu plano. Por exemplo, o que gosto muito que mostra isso, são pianistas que realmente me fascinam e me inspiram, o Gismonti, o Jaime, o Gonzalo. São pessoas que você percebe que têm informação de estrutura musical muito sólida. Em um tema simples, o Egberto transforma numa composição. Essa coisa dos temas simples me fascinam. Quando comecei a compor, foi uma coisa que demorou para acontecer, pois eu pensava: “Tem tanto tema bom por aí, o pessoal faz cada maravilha para improvisarmos, para que vou ficar fazendo tema? Vou estudar piano”, até quem me incentivou a compor, foi o Mané Silveira com o Bonsai. Ele é um grande compositor de música instrumental com grandes temas que dá para improvisar e arranjar. Tem muito assunto. Ele disse: “Quem improvisa bem, compõe bem”. Depois de um tempo, comecei a compor e acabou aparecendo nos tipos de temas, que estou fazendo até agora, uma grande influência do Gismonti. Por causa da melodia. Isso é importante.

VMI - Como foi a passagem do erudito para o popular?

PB - Lá em Tatuí, eu fiz o curso de música erudita. Acho que com uns 14 anos comecei a ter interesse em tirar música de ouvido, jazz tradicional, que curti muito quando moleque. Depois, veio a possibilidade de fazer baile, com isso comecei a pesquisar música popular. Eu continuava estudando música erudita, mas tirava as coisas de ouvido e comecei a trabalhar. Já com 14 anos, estava fazendo baile. Fazendo essa coisa de música comercial mesmo, sem preocupação nenhuma do que era música comercial, era música. Uma festa. O primeiro grupo mesmo de música instrumental, com improviso e tudo mais, apareceu quando eu fui para Campos de Jordão em 1979 no Festival de Inverno.

Eu fui como trompista. Eu era muito ruim. Eram oito trompistas no Festival, os quatro melhores iam para a orquestra e os quatro “não melhores” iam para banda. Eu fazia a quarta trompa na banda. Eu era muito ruim, não tocava nada de trompa. Eu acabei tocando trompa para ganhar uma bolsa de estudos em Tatuí, mas eu não gostava. E acabei indo pra Campos tocando trompa. Fiquei um mês estudando lá e em agosto quando voltei de Campos, tranquei a minha matrícula. Não gostava realmente daquilo. Então, falei ao diretor do conservatório se ele quisesse podia cortar a minha bolsa, mas acabei ganhando uma bolsa de piano.

Em 1979, em Campos de Jordão fazendo banda também tinha uma molecada que era Vinicius Dorin, Naor, Gomes, o Eduardo Gianesella. Atualmente, o Vinicius toca com o Hermeto, o Naor é o primeiro trompete da Mantiqueira e o Eduardo está na Osesp. Uma molecadinha, mas começamos a fazer um grupo de jazz tradicional lá. Fazíamos só Dixieland. Foi aí que comecei a me interessar por música popular, a estudar isso e pesquisar essa coisa do improviso. Até então, eu ia tocando. Não sabia como era a estrutura, não sabia de nada.

VMI - Como foi a criação do Departamento de Música Popular em Tatuí?

PB - A escola de Tatuí tem uma tradição muito grande. Nesse ano, a escola está fazendo 50 anos. Desde do começo, sempre foi uma escola de música erudita. Sempre teve algo muito importante, que é ser voltada à prática de conjunto. Então, o pessoal sempre tocou em orquestra e montou banda pela facilidade da escola está no interior e ter professor de todos os instrumentos de orquestra. Sempre teve essa tradição de música erudita.

Eu sempre quis freqüentar um grupo de música popular, mas eu comecei a tocar isso só em 1979. Na época, tinha o CLAM aqui em SP e só. Até tinha umas outras escolas, mas a maior era o CLAM. Não deu para eu vir para cá. Eu sempre fui aprendendo as coisas, um pouco com um, um pouco com outro, mas nunca tive as coisas organizadas. No final de 1989, estávamos implantando uma coisa lá no curso de piano - eu já era professor de piano erudito - dos alunos terem várias visões de estudo. O aluno tinha um professor que trabalhava só técnica, outro só repertório e outro só música popular, que no caso era eu. Então, surgiu a idéia de criar um departamento de música popular. Entreguei um projeto para o professor Neves, que é diretor, e ele topou. Indiquei alguns nomes. Eu comecei o projeto do curso de Tatuí.

O início mesmo foi em 1990, porque em 1989 começamos a estruturar. No início, não tínhamos um padrão, então o que tínhamos, era a Berklee. Então, pensamos por quê fazer uma Berklee no Brasil? Não temos a mesma realidade, não temos os mesmos alunos e as condições são muito diferentes. Apesar de em Tatuí o pessoal falar bem enroladinho, não tem nada a ver. Mas tinha uma estrutura a escola, tínhamos instrumentos, salas e a escola queria fazer. Então, começamos ir pela escolha dos professores. O objetivo destes terem ido para lá foi fundamental para o sucesso do curso porque eram pessoas, que gostariam também de fazer parte do início de um curso. Com várias idéias e não tinham onde colocar em prática. Então, uma coisa que hoje já não curto tanto é reunião para discutir, mas ali foi fundamental porque tínhamos um curso virgem, que poderia ir para onde quiséssemos, com o suporte possível e com pessoas realmente muito interessadas em fazer, discutindo e mudando. Isso foi fundamental durante três anos, em que nós nos reuníamos e discutíamos. Hoje, estamos com 14 anos de curso e é super forte. Tem gente da América do Sul inteira, que vai para lá, têm três ou quatro big bands, uns 30 ou 40 grupos, grupo de choro. É um departamento interessante que criamos lá.

VMI - Quando você teve a idéia de criar esse departamento, houve alguma reação dos músicos eruditos?

PB - Ah... (risos). No começo não... Até porque tinha um certo descrédito deles. Achavam que não ia acontecer. Uma das vertentes é composta por pessoas que fazem música erudita, realmente fazem música, que na hora que vêem um departamento desses com pessoas conversando... Muita gente veio trabalhar junto. Vários professores e alunos fizeram o que acho que é o ideal: fazer música, independente se é popular ou erudito. Fazer realmente o que for com verdade. Muita gente quando o curso estava se desenvolvendo pegaram idéias para passar ao curso deles e participaram com idéias para nós também. Até vislumbraram e viram que essa é a escola ideal. O aluno sabe criar, essa coisa da música popular. Tem que ser um instrumentistas criador. É exigido isso, que não é tanto na erudita. Como também, o músico popular não tem tanta formação teórica, tanta pesquisa ou análise, que são coisas mais envolvidas com a música erudita. Seria o ideal, uma pessoa vai aos dois lados. Ou em todos os lados, mas acabou não acontecendo isso porque é difícil essa escola ideal. Ainda vai aparecer, mas teve gente também que não curtiu. Tem preconceitos dos dois lados: tanto o pessoal do popular que não suporta música erudita e vice-versa. No final das coisas, todo mundo entendeu que a escola saiu ganhando com isso.

VMI - Como foi a criação do Encontro Brasil Instrumental? Qual é a importância dele para a música brasileira?

PB - O festival está diretamente ligado ao curso. Na história do curso, estávamos completando 10 anos e queríamos fazer uma festa, chamar os alunos que se formaram, os professores, que já passaram por lá para ficarem uma semana, bebermos bastante, rir, tocar... Festa. Com essa proposta, chegamos ao diretor e falamos do evento. E ele falou que tínhamos x de verba, que era uma verba nada. Não era nem uma verba, aí resolvemos fazer uma festa maior. Aí, pintou a idéia. Por quê? Porque temos uma força de trabalho e uma produção de música instrumental enorme, mas só que não temos onde mostrar. Inúmeros trabalhos morreram no ensaio, não foram nem para o estúdio e ninguém viu. O pessoal não teve onde mostrar, temos essa dificuldade. Não temos um circuito, que abrace muitos trabalhos ou trabalhos novos. É difícil.

Então, nós oferecíamos o teatro, que é bom, lá de Tatuí, a oportunidade de se juntar em território neutro – é um lugar onde as pessoas estão fazendo um ensaio e não vai tocar o telefone dele para sair dali e fazer uma gravação, então quando ele vai para Tatuí não dá para fazer três funções num dia, ele acaba fazendo várias funções no festival, como ensaiar, fazer workshop, fazer show á noite e outro show na canja. Acabamos montando com uma verba muito pequena, um festival com 30 shows, três por dia durante dez dias e com 50 workshops. Foi maravilhoso mesmo. Todo mundo foi para lá, ganhando quase nada. O bonito não está aí, e sim, na energia que as pessoas foram para lá. Tanto que tivemos um compromisso com essas pessoas, que no segundo, nós já até mudamos o nome para “Festival Brasil Instrumental” e conseguimos o patrocínio da Petrobrás, como também tínhamos esse compromisso com o pessoal que foi no primeiro, se forem comparar é muito parecida a programação. Nós nos comprometemos a chamá-los novamente com um pouco mais de grana. Acabou acontecendo isso. Outra coisa também, que entre o primeiro e o segundo, tivemos um intervalo, que o primeiro foi em 2000 e o segundo em 2002. Os trabalhos já eram diferentes também.

Lá em Tatuí nós temos preocupação, de cara foi a primeira preocupação e até hoje, que é a de fazer, não sendo xiita, mas é de fazer o festival 100% de música brasileira. Acho essa a grande vantagem que eu vejo do festival. Por muitos motivos, primeiro porque precisamos fazer isso para divulgarmos, mantermos, pesquisarmos e tudo mais. Segundo, que com isso, temos um mercado internacional grande, porque se temos esse festival divulgado de forma correta fora do Brasil, vem um monte de gente para assistir. Até porque os workshops são a respeito de música brasileira. Todos os trabalhos dos músicos que vão para lá para tocar, é passado também em conversa. Outra coisa, tem muita gente que não gosta de tocar música brasileira, apesar de morar aqui. Eu respeito, sem problema, mas eu também estou meio cansado de ver show com o pessoal tocando Autumn Leaves ou Stella By Star. Sem problema nessas músicas, são grandes Standards, mas acho que precisamos forçar um pouco para as pessoas acharem outros caminhos.

Com essa proposta, por exemplo, o Fernando Corrêa, que hoje está na Jazz Sinfônica, e já foi professor de Tatuí, ele foi ao Festival de 2002. Ele com esse projeto, colocou o grupo dele de novo, porque tinha uma data para tocar as coisas dele. Ele reestruturou o grupo e lançou disco depois. Então, se o terreno for bem preparado, está cheio de gente semeando por aí. Por que Tatuí? É complicado fazer o festival lá, que é difícil conseguir patrocínio, porque as pessoas querem patrocinar eventos em SP e no Rio. Não é fácil se ter espaço num evento, que acontece no interior de SP, mas acontece. Lá na escola temos algumas facilidades, que é de ser território neutro, porque existe um bairrismos ainda. Então, na hora que se fala que é em Tatuí, o pessoal vai sabendo que os donos da casa não têm nenhuma bandeira. Pelo contrário, todos são bem-vindos. Tem também o fato da cidade ser pequena, aí se faz um festival desse tipo em que vão umas 500 pessoas para lá, muda a rotina da cidade e é tudo muito perto: o restaurante está há duas quadras do teatro. Isso agiliza e deixa o festival mais aconchegante. Se fizer algo em SP, que acho que tem que se fazer também, o grande problema é de diluir. Aqui todo mundo tem muita coisa para se fazer. Lá, ou você faz música, com todo respeito a Tatuí, que é uma cidade deliciosa, você não tem muitas possibilidades. Então, é ótimo para fazer música.

Nesse ano (2004), acho que a grande novidade do festival, são os shows do meio-dia. Nós vamos fazer uma mostra de dez trabalhos. Está sendo feita uma seleção e os selecionados terão uma ajuda de custo para mostrar o trabalho com toda a estrutura do teatro. O mais legal é estar participando do festival. Tocar no teatro de Tatuí é uma das coisas mais gostosas do mundo... Quando você pisa no palco, o pessoal já está batendo palma. É bom demais. É final de campeonato e jogar em casa. É um público com formação, que pesquisa e com referência. É muito diferente você tocar para um público assim. Você sabe que o que fizer ali, será multiplicado depois. Eu tenho certeza que os dez trabalhos, que serão selecionado, serão de excelente nível. A nossa idéia é selecionar o pessoal pelo projeto, quando não tem visibilidade e nem um grande nome, de repente o cara é um grande músico, que já tocou com todo mundo, mas não tem um disco gravado ou um trabalho que seja leader. É espaço para todo mundo. Mesmo o cara novo, com trabalhos interessantes, mas não consegue participar de festivais. É difícil você começar a carreira. Ali, não é um festival em que você toca duas músicas e com um júri, que vai falar quem é melhor ou pior. É muito chato isso. Você valoriza um trabalho, dependendo dos outros. Não tem isso. O que queremos, é que as pessoas façam um show inteiro para mostrar o pensamento musical, qual o horizonte sonoro dele. Para onde vai isso com um público especial e direcionado.

VMI - Conte sua experiência com a Orquestra Jazz Sinfônica. O que isso representou para sua formação de pianista?

PB - O convite do Nelson para fazer parte da Jazz Sinfônica é uma das coisas mais importantes da minha vida musical porque ele sempre foi um ícone. Isso foi para mim, um reconhecimento. Quando o Arrigo fez a orquestra, eu pensei: “Esse era um lugar que eu gostaria de tocar”. Mas não falei nada. Quando veio o convite, fiquei maravilhado de poder participar. Lá, eu pude tocar ao lado de pessoas, que sempre ouvi falar bem, como Toninho Carrasqueira, Edson José Alves, Luca Raele, Marcelo Jaffé. Muita gente boa. Para onde eu olhava, tinha alguém bom, que já tinha visto tocar, mas nunca tive a oportunidade de tocar junto. Isso dá uma maturidade porquê o som tinha que rolar. Pude usar toda uma escola de música erudita, que sempre fiz, como a leitura, juntando com a música popular, que é tocar em big band. O Cyro, por exemplo, escreve todas notas com articulação e coloca tudo o que precisa fazer. Ou o mesmo Cyro coloca uma cifra, que normalmente ele não põe, porque quando é só harmonia, ele deixa a guitarra fazer e não o piano. Mas se tem, se traz toda a bagagem de música popular para fazer. Eu pude usar as duas vertentes de formação que tive num lugar só.

Na boa mesmo, foi importante para ter essa confiança. Até então eu não tinha participado de um grupo tão importante ainda. De tanta visibilidade.

VMI - Você participou de outras orquestras?

PB - Como orquestra, acho que não. Como integrante de orquestra. Porque em sinfônica tem um pianista, tem um monte de violinos, violoncelos e um pianista, que toca sei lá quando requer. E uma orquestra desse tipo da Jazz Sinfônica, só existe a Jazz Sinfônica no Brasil. Então, é assim... participei de Big bands, mas como orquestra não. Ou como solista, mas aí é uma outra relação.

VMI - Como o trabalho com Arrigo Barnabé influência no seu desenvolvimento musical?

PB - Você usou bem essa coisa da minha formação porque... Uma formação acadêmica mesmo eu não tive. Como música erudita tudo bem, mas como popular não. Eu comecei a tocar com o Arrigo em 1988, eu estava com 25 anos, tinha feito toda a minha formação erudita em conservatório. Eu já estava fazendo música popular, mas nada parecido com que o Arrigo fazia. Quando comecei a tocar era banda com baixo, bateria, guitarra, vocais. Era uma coisa parecida com a Banda Sabor de Veneno, mas sem os sopros. Mais tarde, começamos a fazer um duo. A partir de 1992, ali sim... Aquilo me exigiu muito. Montamos arranjos, em que passávamos para dois pianos o som que vinha da banda. Explorando a mais o que não tínhamos na banda. A sonoridade dos pianos, então, foi um grande aprendizado para mim, pois, as cosas que eu tinha feito de música popular tinham muito a ver com o jazz, como relação de escala e acorde, de forma, de linguagem, acentuação tendo a ver com o jazz. Com o Arrigo, eu tinha que pensar na improvisação, mas sem a textura do jazz. Eu tinha que montar tudo diferente e pensar diferente para improvisar. Isso deu uma abertura muito grande para outros caminhos. Eu respeito, mas a tendência do jazz é muito fechada. Então, ou você é genial ou vai repetir o que muita gente está falando há um tempo. Essa visão de improvisação sem ter a ver com o jazz ou com a música brasileira. Quase beirando uma improvisação que é feita em música erudita contemporânea deu uma abertura muito grande para eu pensar outras coisas. Foi uma formação mesmo.

Até hoje isso acontece. Em 2000, o Arrigo começou a fazer a ópera “O Homem dos Crocodilos”. Ele começou uma vertente, que está até hoje, escrevendo de forma erudita. Então, como eu adoro tocar as coisas que ele faz. O que está acontecendo, é que estou voltando a fazer música erudita também por causa do Arrigo. Eu ficava estudando música erudita em casa, mas nada profissional. A partir do momento, que o Arrigo começou a escrever isso, por exemplo, ele fez em 2002 a ópera “22 Antes e Depois” para a Semana de Arte Moderna e na formação tinha cello, clarinete, violino, guitarra e percussão. Pensando só em piano, violino, cello e clarinete é a formação do quarteto do Final dos Tempos do Messiaen. Como estávamos lá, resolvemos fazer e surgiu um grupo chamado Quarta D, que eu toco. Mantemos até hoje e a partir disso eu voltei a estudar música erudita. O Arrigo tem muito a ver com a minha formação até hoje de tendência.

VMI - Qual é a importância do curso MPB/Jazz de Tatuí? E como funciona?

PB - Eu acho que o curso de Tatuí tem uma importância. Tatuí é uma cidade fora do eixo, você pode entender o que quiser com isso (risos)... Mas é fora do eixo Rio-São Paulo. Por isso, se tem umas liberdades e além disso, é uma escola criada e mantida pelo Estado. Primeiro, que não existe uma cobrança comercial, então não precisa pensar numa escola voltada ao Rock ‘n' roll porque dá dinheiro. Essa é uma grande vantagem. Então, pudemos direcionar para o que estava faltando. Existem escolas voltadas para o ensino do jazz e do rock. Pensamos em fazer uma escola de música brasileira. Nós não tínhamos método, fomos buscar a metodologia americana e ver o que servia. Isso aí foi em 1990 quando começamos o curso. Ele foi se transformando para chegar em uma coisa parecida com isso, que eu estava falando agora: pensar em criação e em várias tendências.

Hoje, o que acontece lá é que tem uma parte do jazz, de uns dois anos para cá temos uma influência muito grande do Hermeto Paschoal, da escola Jabour. Porque temos lá dentro o pianista do Hermeto, o André Marques, o Cleber, que toca com ele no Curupira. O Vinicius Dorin também já deu aula lá. O Fabinho Gouvêa que é do Trio Curupira também dá aula lá. Então, são meninos especiais porque são muito jovens e têm uma maturidade musical fortíssima e estão influenciando muita gente. Os outros ficam entusiasmados e saem atrás. Muita gente, que às vezes não querem ir para SP ou ao Rio, acabam indo para lá. Em um grande centro é muito difícil de se montar grupo para tocar ou arrumar espaço para tocar. Lá, o que acontece? É uma cidade em que está indo morar muita gente do Brasil e de fora, então, se têm várias repúblicas, que o pessoal toca o dia todo. É um pessoal, que está direcionado para fazer isso. Eu reclamo que aqui em SP não tem lugar para tocar, mas em Tatuí é uma droga. Não temos nenhum lugar mesmo para tocar. Você precisa brigar com o dono do bar para tocar. Então, acaba acontecendo num espaço do conservatório, que dá o suporte. Tem o festival, algumas outras datas para se mostrar o trabalho, mas para desenvolver eu acho fantástico. Aqui em SP, por exemplo, eu vejo uma dificuldade muito grande dos alunos da ULM montarem grupos. Eles não têm onde ensaiar. É tudo complicado e para dar certo é preciso ter muita sorte. Lá, não precisa ter tanta sorte assim. Tudo é mais perto e mais fácil. Tem mais, aqui o custo de vida é muito mais caro do que em Tatuí, então, o pessoal, que está começando e não tem dinheiro, então em Tatuí, tudo isso propicia a você só se preocupar em estudar. E Tatuí não é uma cidade que tem grande atrativos da natureza, por exemplo, como cachoeira ou praia, então você fica tocando porque não tem outra coisa interessante. Às vezes, o pessoal de Tatuí fica meio fora do mercado porque ninguém sabe. Eu acho mais importante se ter um trabalho e ninguém conhecer, do que não ter trabalho e todo mundo conhecer. São duas coisas bem antagônicas. A partir do momento que se tem um trabalho, se começa a mostrá-lo.

Tatuí não é uma cidade para passar a vida toda, como eu... Mas eu não fico lá direto. Eu tive a minha fase de ficar muito tempo estudando e até hoje isso está me rendendo frutos. Da época em que eu estudava dez horas de piano por dia, até hoje ainda isso está me ajudando. Tatuí é o lugar que quando queremos ensaiar o Bonsai, ficamos lá dois dias ensaiando. É uma maravilha porque ninguém vai aparecer lá em casa. É longe, fica há três quilômetros da cidade. É muito longe e ninguém vai. Se consegue canalizar energia. Isso é interessante. Eu vou trabalhar em outros lugares, vou fazer muitas coisas, mas a hora que eu quero desenvolver um novo trabalho ou aumentar a minha pesquisa, lá é meu lugar. Lá é para isolar do mercado e de problemas em geral.

Como funciona o curso: Há um teste no começo do ano, onde selecionamos vagas disponíveis. Vai um monte de gente lá fazer teste. Por exemplo, de uns tempos para cá, o pessoal que tem ido para fazer o teste e entra o no curso, às vezes toca mais que o pessoal que está no curso. Por quê? Por vários motivos, um deles: às vezes, abre vaga para guitarra e vão 800 pessoas para fazerem o teste, vão entrar três pessoas que tocam muito. Estamos até estudando isso agora, de como organizar, pois acaba entrando um pessoal, que já está tocando e acabamos não formando tanto. Vamos achar uma solução para dar suporte ao pessoal que procura escola e já está tocando e ao pessoal, que não está tocando tanto hoje ainda, mas que vai tocar muito mais amanhã. Vamos chegar lá. A partir do momento, que ele está lá dentro o que acontece, tem um teste classificatório para saber onde o candidato se encaixa. No curso mesmo são oito semestres, então, ele vai se encaixar como instrumentista dentro desses oito semestres. A prática de grupo, para nós, é a espinha dorsal do trabalho dos instrumentistas. Então, por exemplo, depois do teste achamos que o aluno está no nível 5, então ele vai fazer prática de grupo no nível 5, aula do instrumento para este nível. Fora a prática de conjunto e instrumento, ele tem aula de harmonia e percepção, que dividimos em três linhas: melódica, harmônica e rítmico. Por exemplo, percussionista, mata tudo de percepção rítmica e nada de harmônica. Ou violonista mata tudo de harmônica e nada de rítmica ou de melódica. Antes tínhamos um curso só de percepção tudo junto e ficava essa discrepância, então dividimos. Acho que ficou melhor. São oito semestres tudo, mas a harmonia e percepção são quatro. Depois, mais tarde, temos “cursos especiais”, por exemplo, a Big Band. Ou então o pessoal que quer fazer só choro, então o pessoal vai pra isso.

Depois de terminar o curso, o aluno pode continuar lá e é o que normalmente acontece. Ninguém vai embora. Tem um monte de gente que se forma e não vai embora. É um centro de encontro ali. Mesmo as pessoas que não estão mais fazendo o curso, estão ainda no conservatório participando dos grupos, que se originaram ali. Tem a grande vantagem, eu estou vendendo bem Tatuí, de não ser universidade. Você tem uma liberdade maior para mudar o curso, que numa universidade é super complicado fazer isso. Lá, dá para direcionar para o lado que quiser. O ideal: ir para Tatuí enquanto é moleque até a idade de fazer faculdade, depois vai fazer a faculdade e voltar para Tatuí (risos). É complicado de se fazer música na faculdade. Eu dei três anos de aula na Unicamp e eu vi, que é complicado. É possível, mas complicado. Você tem uma carga horária muito grande de matérias. Uma pequena crítica à Unicamp, no curso de música popular, não é exigido uma prática instrumental. O curso é com oito semestres, mas de instrumento e prática de banda só quatro semestres. Os outros eram eletivas. Não é cobrado da pessoa ser um instrumentista. Se a pessoa não quer ser instrumentista, tudo bem, mas se ela quiser a escola tem que oferecer isso. Tem que exigir isso do aluno porque na vida é assim, você não faz as prioridades, você vai nas emergências. Se você consegue cobrar do aluno, ele vai ter um progresso, mas se deixar a critério dele, fica difícil, porque alguém vai cobrar outra coisa. E é isso...

VMI - Quais são as diferenças dos cursos de Tatuí para os cursos da ULM?

PB - Eu acho que a estruturação de curso, em Tatuí é mais antigo, que já de cara foi pensado como curso. É um curso que nasceu dentro de uma escola, que já tinha 36 anos. A escola já tinha uma estrutura e uma história, aí nasceu um curso de música popular dentro de uma estrutura já completa. Aqui em São Paulo, nasceu junto com uma escola, que estava se estruturando. Então, se tem cursos de popular e erudita se estruturando junto. Muitas mudanças de direção, isso é difícil de se estruturar. Em Tatuí, por exemplo, eu fui coordenador de 1990 até 94. E de 1994 para cá é o mesmo coordenador. Apesar de parecer meio ditatorial o fato de ser a mesma pessoa, dependendo da pessoa se tem uma abertura para sugestões e trabalhar junto, é interessante porque dá uma unidade e um caminho. Por mais que esse caminho não seja o mesmo, que tenha alternâncias, ele tem sempre a mesma direção, que é algo que não vejo aqui na ULM. Aqui, se tem um processo, aí muda radicalmente... Fica difícil.

Hoje, eu estou vendo uma coisa que está acontecendo na ULM, que é a prática de conjunto, que não acontecia. Acho isso fundamental... Acho isso e brigo com quem for. Isso está vindo agora, de uns dois anos para cá. Tomará que continue. Normalmente, o que acontece aqui, é que cada um dá aula particular na sua sala. Fica difícil ter um curso. Você acaba jogando isso para o aluno, que deve montar a grade. A grande diferença que eu vejo é assim: tempo de estruturação. E lá é uma escola menor do que aqui. Você tem menos alunos e tem como direcionar melhor.

VMI - Qual é a sua opinião sobre a influência do Hermeto Paschoal nas novas gerações?

PB - Novas há um tempo... Quando eu ouvi o Hermeto pela primeira vez, eu pirei... Fui assistir a um show dele no Tuca. Quatro horas de show... Vamos ver... Ele é uma pessoa demais de criativa... É a criatividade ao extremo e tem a percepção muito desenvolvida. Juntando tudo isso, você precisa dar uma mixada porque vem tudo muito bruto. É muita melodia e harmonia. Ou não, mas assim a pessoa extremamente criativa, então, isso é muito atraente. É fácil ser seduzido por isso e tentar fazer um som que se aproxime e, ao mesmo tempo, às vezes, é repulsivo porque tem muita informação. A primeira vez que se ouve, não curte tanto, só vai curtir aos poucos.

Algo que gosto muito no trabalho dele, mas eu acho que falta essa mixagem, de saber onde estão os planos. O que é um plano importante. Vem tudo de uma vez só. Às vezes, para pessoa que está começando a tocar, é um borrão. Ele não enxerga tridimensional. Então, ao mesmo tempo que é o novo, é difícil de se compreender. Mas é muito criativo e aí que acho onde pega mais. Essa liberdade. Então de a música está em dois, passo em 7, passo em 3 contra 2. Acabo em dó maior, tríade. Tudo posso... Aí, eu acho que é o maior atrativo dele.

VMI - O que você acha da nova geração de músicos?

PB - Eu estou vendo que está vindo, ou pelo menos está começando aparecer, formas desses novos músicos mostrarem os trabalhos. Então, você acaba sabendo de gente tocando, coisa que não acontecia há um tempo atrás. Têm algumas coisas que você consegue enxergar trabalhos novos. Como também estão aparecendo escolas, então, tem em Brasília, no Rio, aqui em SP, Tatuí, Unicamp, Souza Lima. Tem muita gente. Várias escolas por aí dando um suporte. Cada vez vindo mais gente. Até um tempo atrás, se você quisesse uma escola, tinha que sair do país ou aprender na noite, mas precisava ter uma certa idade. Não dava para ir aos 14 anos tocar num boteco. Essa coisa das escolas estão facilitando esse BUM de muita gente aparecendo. E gente com acesso à informação, então existe hoje formas de ouvir, de ler, conversar com pessoas em workshops, festivais. Trocar idéias. Você já vai cortando vários caminhos e tudo leva a crer que isso vai aumentar muito. É uma música que está vindo apesar da mídia. Em São Paulo, quantas rádios tocam música instrumental? Quantas vezes, “esta rádio” toca? Então, não se ouve na rádio. Na TV, você tem um ou outro programa. Se nós não tivéssemos em São Paulo o SESC, seria complicado ouvir música instrumental em shows. A música está se impondo sozinha. Isso vai aumentando... Essa revolução sonora que está vindo aí. Eu acredito que vai aumentar com força e estrutura para adquirir um espaço. Eu espero daqui um médio prazo termos lugares para tocar, espaço na mídia para mostrar trabalho porque é uma trabalho sério.

Só voltando um pouquinho, na coisa do Hermeto, que não para negar e tem que valorizar isso. É a influência dessa escola Jabour. É difícil hoje você ver algum grupo que não tenha um pouco de influência do trabalho. Você vai ver música brasileira, que não tenha algo. Também pelos músicos que passaram por lá, por exemplo. É difícil de ver um baterista, que não tenha influência do Nenê. É difícil se ver um saxofonista, que nunca ouviu Carlos Malta. Os baixistas tocam diferente por causa do Iteberê. O primeiro grupo dele que tem a ver com o ensaio, com que ele fazia, com toda a cabeça dele, mérito aos músicos, lógico, mas é uma influência muito forte, tanto dele quanto do grupo. Você vê hoje o trabalho maravilhoso com a Orquestra Família. Ou o André que tem o Curupira. Muitos trabalhos de ramificação dessa escola, que digo de criatividade.

VMI - Para você, qual é o futuro da música instrumental no Brasil?

PB - Não sei. Não sei mesmo. O que espero é isso que acabei de falar, que consigamos um espaço maior para poder mostrar as coisas que estamos pesquisando e fazendo. Não temos. Como vai ser? Acho que não vai mudar muita coisa... Ou muda tudo... Não sei... Acho que foi mais honesto o que falei no começo. Eu espero essa coisa do espaço. Não é só uma esperança, é uma certeza. Analisando as coisas que estão acontecendo nos últimos dez anos, por exemplo.

VMI - Mais alguma coisa?

PB - De influência e trabalho. É uma coisa muito importante no meu trabalho, que é o faço com o Arrigo. Desde 1988, em diversas formações. Embora não tenha uma influência direta nas minhas composições, o fato de eu trabalhar ao lado dele, em prioritário para mim. Porque, eu o considero um dos compositores mais importantes vivos até hoje. Porque ele venceu a barreira do popular e erudito. Eu não sei o que é o trabalho do Arrigo. Hoje, eu rotularia muito mais para a música erudita do que para a popular. As influências dele são muito mais por aí, mas de ver esse tempo todo ter percebido várias fases que ele passou, é um aprendizado muito grande para mim. Então, tem que ressaltar isso, é esse do Arrigo. E um outro trabalho importante é o Bonsai porque muito de música brasileira, o meu professor é o Guello. Porque há poucos referenciais de piano brasileiro, principalmente gravados. Para você conseguir, é difícil. Eu presto atenção no que o Guello está fazendo e tento traduzir para o piano, então daí mil e uma idéias pintam. Primeiro porque ele é um músico muito criativo, tem uma formação muito grande e é aberto. A instrumentação. A visão dele de percussão é muito aberta. Um grande professor. E um outro professor é o Mané, que foi o cara que chegou para mim e falou: “Improvisa não pensando em nada, improvisa mesmo e vê o acontece. Desenvolve isso, que é desenvolver criatividade”. É uma pessoa que orientou mesmo. Esses dois trabalhos é que me identificaram mais e têm uma influência maior. Aquela pergunta sobre as influência, acho que eu respondo melhor por aí.

Muito obrigada Paulo!

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