O Estado de São Paulo - Caderno 2
Litoral do Ceará abriga choro e jazz
por: Lauro Lisboa Garcia
07.12.2009

Lua cheia, forró e elenco de feras marcam a feliz
estreia da mostra de Jericoacoara

Arismar do Espírito Santo & Toninho Hota
O cozinheiro da pousada querodou o mundo, o professor de inglês que veio do outro lado do Atlântico, a artesã argentina que fugiu da crise, o animado grupo de turistas portugueses, a dona da farmácia cearense, a vendedora ambulante da barraca de petiscos, o artista peruano que idealizou um centro de cultura, o dentista paulistano louco por música, o garoto prodígio guitarrista, o catarinense que mudou o roteiro das férias para “unir o útil ao agradável”.
São muitas e curiosas as histórias de diversas pessoas que frequentaram o primeiro festival Choro Jazz Jericoacoara, desde quarta-feira até ontem (06/12/2009). A realização de um evento num lugar como este – cobiçado ponto turístico, mas de difícil acesso –, trazendo boa música para os ouvidos, onde amaioria quer música para os pés, como comentou um músico, é uma aventura condizente com as histórias desses muitos personagens que largaram tudo para trás, para se instalar nessa estância de lazer e relativo sossego no litoral do Ceará.

Nesse ambiente, onde há várias casas de forró e a “balada” atravessa a madrugada, a situação era de risco em relação à receptividade do público, masanovidade deu certo. Era um antigo desejo de Capucho (apelido do produtor Antonio Ivan Santos da Silva), que frequenta essas areias há um bom tempo. “Não é um evento para atrair 20 mil pessoas por noite, isso não interessa pra nós”, diz o peruano Javier Merello, o Tuto, um dos que incentivaram e deram todo apoio à produção do festival.
Depois dos shows, os músicos marcaram ponto todas as madrugadas na Maloca de Tuto, um misto de restaurante e ponto de cultura, para longas e divertidas jam sessions.

Alessandro Penezzi
No elenco, não tem ninguém que seja “mais ou menos”: é só músico fera. E ficou evidente desde a primeira noite, de imensa Lua cheia – com o Quarteto Maogoani de violões, o trio do violonista Alessandro Penezzi (com Sizão Machado no baixo e Alex Buck na bateria) e o convidado Oswaldinho do Acordeon – que o público passou de curioso a surpreso e entusiasta, diante de primorosas fusões de estilos. Parafraseando Sivuca (bem lembrado, como Jacob do Bandolim, Baden Powell, Dominguinhos, Villa-Lobos e Tom Jobim no roteiro de outros shows), Oswaldinho disse que “forró tambémé jazz”. E mandou ver a incendiária Feirade Mangaio (Sivuca), ele que já tinha tocado Asa Branca (Gonzaga/Humberto Teixeira) em arranjo de blues. A apresentação do violonista australiano Doug de Vries, que toca samba, choro e outros gêneros verde-amarelos sem sotaque, foi um dos pontos altos do evento, logo na segunda noite. Doug, que fala português, fez sua estreia no Brasil aqui, ao lado do também violonista Maurício Carrilho, com quem gravou o álbum Jacarandá (2007).
O cartaz do festival é uma montagem com uma imagem da famosa Pedra Furada, um dos patrimônios naturais de Jeri, que virou um meio violão.
Não por acaso, o instrumento de maior identidade nacional foi a vedete nas duas primeiras noites. Mas o acordeon, cuja sonoridade está no DNA da música nordestina, também teve lugar não só com Oswaldinho, mas nas bem-sucedidas apresentações do gaúcho Renato Borghetti (acompanhado de outro velocista do violão, Artur Bonilha) e do cearense Adelson Viana na terceira noite.

Invertendo situações geográficas, Borghetti, além de tocar endiabrado as próprias composições e levar todos a cantar Felicidade, do conterrâneo Lupicinio, homenageou o Nordeste com medley de clássicos do forró. “Borghetti é a raiz que voa”, comentou o compositor Jean Garfunkel, que deu oficina de composição. O sutil e refinado Viana trouxe novidades próprias, também lembrou grandes mestres e surpreendeu com um tango de Piazzolla.
Nos how de Toninho Horta e banda, o violão deu lugar à guitarra dele próprio, de Arismar do Espírito Santo (que principalmente fez o público vibrar tocando baixo), e do convidado Heraldo do Monte. Para completar o elenco de feras do jazz nacional, tinha Robertinho Silva dando show à parte na bateria.
Até os mais céticos têm reconhecido que a ideia vingou, concordando com um integrante da produção que “criar o gosto é só uma questão de apresentar oportunidades”. A infra-estruturamontada para realizar o Choro Jazz na praça central de Jericoacoara não ficou nada a dever a outros festivais de grande porte, com ótima qualidade de som e iluminação, além de um inesperado conforto para um evento sobre chão de areia, com bancos de madeira almofadados.

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