A Banda Mantiqueira está de volta com Terra Mantiquira. Renova-se a festa que ela dedica à música toda vez que seus músicos gravam um CD. Esfuziante como sempre, a Banda está ainda mais leve. E leveza é a tônica do balanço que a Mantiquira empresta à música, revelando seu sabor e fazendo-a se aproximar daquilo que poderíamos chamar de "som universal" - aquele que muitos buscam, mas poucos alcançam.
A razão desta façanha tem exatos 14 nomes e outros tantos sobrenomes: Nailor "Proveta" Azevedo (sax alto e clarinete), Ubaldo Versolato (sax barítono, flauta e píccolo), Cacá Malaquias (sax tenor e flauta), Vinícius Dorin (sax tenor, soprano e flauta), François Lima (trombone de válvulas), Waldir Ferreira (trombone de vara), Nahor Gomes (trompete e Flugelhorn), Walmir Gil (trompete e Flugelhorn), Odésio Jericó (trompete e Flugelhorn), Jarbas Barbosa (guitarra elétrica), Edson Alves (contrabaixo elétrico), Lelo Izar (bateria), Fred Prince (percussão), Guello (percussão). Uma grande orquestra integrada por grandes músicos. No meu tempo (vige!) se costumava dizer que uma turma assim era um verdadeiro "Butantã": onde só tem "cobra".
A Mantiquira começou tocando no lendário bar Vou Vivendo, em Pinheiros, dos irmãos Altman, Helton à frente. No palco diminuto, por onde passaram grandes nomes da MPB, inclusive alguns que ali iniciaram carreira de sucesso fulgurante, espremiam-se a cada semana os integrantes da Banda Mantiqueira.
Terra Mantiquira: assim foi batizado o quarto CD da Banda Mantiqueira, formada por músicos com espaço garantido e consolidado entre os bambas da música instrumental. Mas apesar de ela funcionar como um todo harmonioso e azeitado, há que ser ressaltado o trabalho fundamental de Proveta. O que ele está escrevendo é uma barbaridade. Coisa de quem pegou o jeito de arranjar para a formação que tem à sua disposição - são seus os arranjos das sete faixas do CD.
Além de sua imensa capacidade como orquestrador e instrumentista, Nailor "Proveta" é um democrata dos arranjos. A cada música ele dispõe solos que permitem ao intérprete escolhido demonstrar toda sua virtuosidade em seu instrumento.
A tenacidade demonstrada por Proveta para impedir que sua orquestra se disperse é outro fator imprescindível à continuidade ininterrupta da Banda Mantiqueira. Sim, pois podemos imaginar que uma banda de quatorze músicos não está junta só pelo dinheiro, ainda mais num mercado difícil (digamos assim), como é o da música brasileira. Mas sim por apego a tocar junto com outros companheiros de ofício, para que possam gozar do som que resulta de seu amor desprendido.
Terra Mantiquira foi lançado na semana passada no SESC Vila Mariana. Noite memorável! Nela, com alma lavada e ouvidos limpos, em respeitosa aprovação, tocou-se e ouviu-se música de qualidade. O CD abre com uma composição de Proveta, "Vovô Manuel"; e tem início o desfile de solos que se sucedem em forma de reverência à música que tanto os músicos da Mantiqueira dignificam. Seguem-se "Samba da Minha Terra" e "Saudade da Bahia", de Dorival Caymmi; um pot-pourri de canções que vão de Gonzagão a Guio de Moraes; "Eu e a Brisa", de Johnny Alf; "Santos/Jundiaí", de Edson Alves; "Airegin", de Sonny Rollins e "Feminina", de Joyce.
Os arranjos têm sua base de sustentação na dinâmica (forte/piano) dos sopros e no bom-gosto da escolha dos instrumentos que tocam em contrapontos. Os solos, que às vezes se valem do ótimo recurso de compassos arrítmicos antes de se reencontrarem com a massa sonora de toda a Banda (calcada nos naipes de trompetes e saxes), incluídas aí a base harmônica e a cozinha rítmica, levam as melodias a planos sonoros incomuns.
Basta uma audição para sentimos o quanto vale a pena (re) conhecer o som dessa grande banda brasileira. Vê-los e ouvi-los é uma festa, já que é isso o que fazem nos palcos e nos discos, ontem como hoje.
Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4 e autor de O gogó de Aquiles, ed. A Girafa.