Correio da Bahia
Homenagem refinada e sem obviedades

por: Marcos Uzel
Salvador, 28.10.2007

O pianista Laércio de Freitas grava disco com obras pouco conhecidas
do mestre Jacob do Bandolim

Quem dançou e se divertiu nos velhos saraus de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro dos anos 50, deve ter boas lembranças do anfitrião Jacob do Bandolim. Era ele quem recebia e embalava a noite de amigos como Pixinguinha, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola e Canhoto da Paraíba, sempre dedilhando o instrumento que lhe deu popularidade e sobrenome artístico. Jacob (1918-1969) colocou o bandolim em um lugar de honra na música brasileira. Montou o antológico conjunto Época de Ouro, defendeu o choro em sua forma mais tradicional e lançou clássicos da MPB como Noites cariocas e Assanhado.

O pianista, compositor, arranjador e regente Laércio de Freitas não chegou a ser íntimo dele, mas o conheceu pessoalmente e era seu fã. Tanto que quis reverenciá-lo no disco Laércio de Freitas homenageia Jacob do Bandolim, um trabalho refinado lançado pela gravadora Maritaca / Tratore. “Jacob foi um inovador. É admirável a sua efetividade na busca de um resultado técnico e artístico da mais alta estirpe. Ele se esmerava em tocar de uma forma limpa, tanto que ouvimos as gravações e não encontramos falhas”, avalia, com conhecimento do assunto, o veterano Laércio, artista de currículo farto e respeitável.

Aos 66 anos, o pai da atriz e cantora Thalma de Freitas integrou a tradicional Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, e o Sexteto Radamés Gnatalli. Tem atuado em várias orquestras, passou por bandas como Jazz Sinfônica e Mantiqueira, já tocou com Maria Bethânia, Ângela Maria, Clara Nunes, João Donato, Arthur Moreira Lima, fez duo com a pianista Clara Sverner e chegou a acompanhar as cantoras do grupo The Supremes. A grande segurança de Jacob do Bandolim na execução das obras que lançou é outra qualidade destacada por Laércio. “Ele fez de si mesmo um instrumento”, enfatiza.

Carinhosamente conhecido entre amigos próximos e por colegas do meio musical como “Tio”, o dono do disco optou por um repertório não previsível. “Pensei em gravar obras pouco conhecidas, mas a idéia não foi de resgatar, e sim de preservar”, diferencia o maestro. Brincalhão na entrevista ao Folha por telefone, Laércio de Freitas conta como reagiu quando lhe perguntaram sobre a importância de “resgatar” Jacob: “Por acaso, ele foi seqüestrado?”. A pergunta sublinha a sua intenção de interpretar o artista sem formalidades, como se estivesse lhe fazendo uma visita num dos saraus de Jacarepaguá.
Piano e violão - O projeto levou ao estúdio o convidado Alessandro Penezzi, 33, apontado por Laércio como um dos melhores violonistas em evidência no país. Juntos, piano e violão evocam choros, valsas, sambas e até um frevo de Jacob do Bandolim (a faixa Sapeca, que encerra o CD). Obras instrumentais que não viraram clássicos, como Carícia, Eu e você, Velhos tempos, Boas vidas, Falta-me você, Baboseira, Nostalgia, Ciumento, Implicante, Ginga do mané, Chorinho na praia e Simplicidade completam o suave repertório de 13 músicas pesquisadas.

Laércio de Freitas ainda era criança quando começou a se encantar pelo bandolim de Jacob. Lembra, inclusive, da primeira música gravada pelo instrumentista a lhe empolgar de maneira especial: o choro Flor do abacate, de Álvaro Sandim. “Ah, que coisa boa! Me remeteu a um tempo que eu ainda não tinha vivido. Foi a partir daí que comecei a ficar mais atento à obra dele”, recorda. No começo da década de 60, enquanto gravava um disco de choros em um estúdio da Odeon, no Rio, o pianista foi apresentado ao seu ídolo.

Laércio interrompeu a gravação para atender a um pedido inusitado do seu companheiro de trabalho Chiquinho do Acordeom, que o acompanhava na realização do disco: “Tio, toca um choro teu pro Jacob ouvir!”, pediu o músico num gesto de cumplicidade. “Toquei, ele achou bonito e perguntou se eu tinha outro”, lembra Laércio. De vez em quando os dois se encontravam por acaso e o pianista sempre aproveitava para reafirmar a sua admiração. A mesma que traduziu em música no seu novo trabalho, feito, como costuma dizer, para “desentupir e higienizar a alma”.

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