Jornal O Norte
Tributo criativo ao gênio do bandolim
por:
Ricardo Anísio
foto:
Dani Gurgel
João Pessoa, 02.10.2007

Laércio de Freitas lança disco com músicas de Jacob do Bandolim e,
finalmente, mostra que é possível buscar um repertório menos óbvio

Laércio de Freitas & Alessandro Penezzi
Antes mesmo de começar a ouvir o disco mais novo do pianista Laércio de Freitas já fiquei admirado. Afinal encontro alguém que concorde comigo e abomine quando se referem a obra de um gênio, quando gravada, como se ela estivesse sendo “resgatada”. O músico Laércio foi integrante da nossa mui conhecida Orquestra Tabajara, do maestro Severino Araújo, e agora acaba de lançar um CD com o título simples e sóbrio de “Laércio de Freitas homenageia Jacob do Bandolim” (Maritaca) e ele se irrita quando alguém sugere que ele está salvando a obra do grande Jacob Pick Bittencourt (1918-1969): “Resgatar o Jacob? Por acaso ele foi seqüestrado?”. A frase já valeria, para mim, o preço do álbum.
Mas como grande músico que é, e uma usina de criatividade, onde as idéias sempre fervilham, o pianista Laércio de Freitas comete uma obra monumental no aspecto estético, e imprescindível por sua face didática. Didática? Poderia me perguntar o irreverente Freitas, mas eu lhe diria que gravar composições menos batidas de Jacob do Bandolim, quando naquela mesa ainda ta faltando ele, na minha ótica tem um quê de educar os ouvidos brasileiros a buscarem além do que rádio e tevê lhes oferecem.
Talvez, isso que se pode chamar de ousadia, Laércio de Freitas não tenha aprendido com Severino Araújo, porém mais provavelmente parece ter herdado de sua experiência no Sexteto Radamés Gnatalli, um gênio da raça. A experiência de Freitas levou-o a atuar como instrumentista com intérpretes como Nancy Wilson, Ângela Maria, Maria Bethânia, Clara Nunes e o grupo The Supremes entre outros astros de brilho semelhante. Como arranjador prestou seus fantásticos serviços a feras do nível de Arthur Moreira Lima, João Donato, Orquestra Jazz Sinfônica e Banda Mantiqueira entre outros tais.
Laércio de Freitas homenageia Jacob do Bandolim” é um CD imprescindível a todos de bom gosto. Aqueles que ainda estão mirrando com os ouvidos impregnados de bobagens como as que vivem na mídia, principalmente nos programas de TV e em pelo menos 99% das emissoras de rádio, talvez essa obra possa causar um grande choque.
Mesmo os apenas iniciados em Jacob do Bandolim podem levar algumas audições até decodificarem temas como “Implicante” ou “Chorinho na Praia”. A verdade é que Jacob compunha clássicos do choro com uma aparente simplicidade, mas com uma densidade harmônica e melodias tão intrincadas, que nem todo mundo deverá assimilar de primeira.
Ouçam, por exemplo, “Nostalgia” e “Sapeca”, assim saberão como é possível aos grandes músicos fazerem suas peraltices sem serem levados na chacota. Aqui no caso deste belo disco - merecedor de cotação máxima - temos um autor genial sendo lido por um intérprete não menos bafejado pela genialidade.
E o importante é que Laércio sabe com profundidade o valor da obra com o qual está lidando, por isso se faz um leitor ainda mais atento e esmerado. Formado em arranjo e regência no México, onde morou durante algum tempo, ele pode reunir o conhecimento teórico à sua prática junto a big-bands e orquestras, indo do jazz aos temas latinos fluentemente, sem escorregar.
Os solos que ouvimos nesse “Laércio de Freitas homenageia Jacob do Bandolim” não são embromações de pseudogênio, mas a total compreensão de um músico completo, que sabe tudo que pode extrair de uma melodia, harmonizando-a e arranjando-a com a autoridade de quem transpira e respira música como nós simples mortais respiramos o ar poluído dos dias modorrentos.

DICA
Fazer das peças de Jacob do Bandolim motivo para duos criativos e virtuosos de Piano e Violão – este último tocado por Alessandro Penezzi - não é para qualquer um. Os que conhecem boa música (ou melhor, excelente música) vão ter que ouvir este disco dezenas de vezes interruptas. Só assim poderão esgotar seu garimpo neste mar de notas que torna o mundo bem mais suportável e a vida um pleno gozo auditivo.

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