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Revista Modern Drummer O Discurso Musical de Edu Ribeiro
por: Vlad Rocha e Abner Paul
colaboração: Cristiano Rocha
Novembro 2009 - nº 84
Beteristas Competentes e atuantes existem aos montes. Bateristas com aquele algo a mais, uma assinatura, um discurso musical profundo e embasado, são poucos. Edu Ribeiro é um deles. Dos bailes aos palcos internacionais - seja com artistas brasileiros ou estrangeiros, como o pianista Brad Mehldau, com quem tocou recentemente -, Edu faz música na bateria. Com maestria.
Confira esta entrevista com um músico virtuoso que não está preocupado em "parecer" virtuoso, como diria a musicista Léa Freire.
MD: Você vem acompanhando o guitarrista Chico Pinheiro já há algum tempo em turnês pela Europa e Estados Unidos. Junto a ele, recentemente você teve a oportunidade de tocar com o pianista Brad Mehldau. Como foi sua preparação para este trabalho?
Edu: O Chico é um grande amigo querido. Gravei todos os discos dele, inclusive uma demo que fizemos de trio que nunca foi lançada. Em algumas épocas do ano nos encontramos para estudar juntos quase que diariamente. Isso faz com que tenhamos uma intimidade legal quando tocamos. Um já sabe muito bem o que esperar do outro, embora ele sempre me surpreenda. Para esta participação com o Brad, em especial, recebi algumas partes do repertório que seria tocado com as gravações e procurei conhecer mais a fundo seu trabalho. Gosto de fazer isso quando vou tocar com uma pessoa que admiro muito mergulhar no seu trabalho para entender um pouco melhor como ela pensa a música. Isso faz com que você fique mais atento e entenda melhor o que está acontecendo no momento em que está tocando. Quando nos encontramos ele foi tão gentil que parecia que nos conhecíamos há anos. É impressionante conhecer uma pessoa assim, uma espécie de gênio da música, e perceber que é uma pessoa normal, que fala dos filhos, estuda e gosta muito de música. Esses shows que ele e o Chico dividiram contavam ainda com a participação da Luciana Alves (cantora), do Doug Weiss (baixista) e da cantora Fleurine, esposa do Brad.
MD: Com o Trio Corrente você interpreta clássicos da música popular brasileira em arranjos cheios de polirritmias e compassos ímpares. Como conseguiu essa total liberdade e entrosamento com os músicos para executar e compor os arranjos do disco?
Edu: Adoro tocar com o Trio Corrente. Acabamos de voltar de uma turnê pela Europa em setembro. Foi a primeira vez que tocamos com esse trio fora do Brasil e a resposta do público foi excelente.
Nós três pensamos de forma parecida e podemos tocar coisas completamente deslocadas um do outro que “quase” sempre sabemos aonde o outro vai chegar. O Fábio Torres (pianista) e o Paulo Paulelli (contrabaixista) têm uma consciência de tempo e da forma da música que nos dá total liberdade para experimentar enquanto tocamos juntos. Os arranjos são elaborados quase sempre em cima de coisas que experimentamos enquanto improvisamos.
Lembro-me de que, quando o Paulelli trouxe o arranjo do Triste, do Jobim, pela primeira vez, parecia que não estava entendendo o que ele queria dizer, era completamente torto e fora do padrão. Conforme fui conhecendo o seu jeito de tocar e improvisar, ficou muito mais fácil entender os seus arranjos.
MD: Antes de vir para São Paulo (de Florianópolis SC), você tocou bastante em bailes. Como foi essa época? O que você aprendeu?
Edu: Comecei a tocar em bailes após a morte de minha mãe, acompanhando meus irmãos e meu pai em sua banda. Eu tinha 9 anos quando comecei, e portanto não tinha técnica ou conhecimentos teóricos, mas uma imensa vontade de aprender e uma enorme responsabilidade. Acho que a experiência dos bailes me ajudou a ter intimidade com a profissão e segurança quanto à resistência física e à capacidade de levar vários ritmos... embora não houvesse nenhum espaço para sutilezas (risos).
No baile há uma ampla variedade de estilos a serem tocados, e é claro que sua função ali, como músico, é garantir a execução das músicas. Estabelecer essa relação com a música, para quem está começando uma carreira, exerce um impacto enorme na postura profissional. Essa experiência foi fundamental, pois permitiu um contato com a música e com a profissão que não sei se poderia adquirir de outra forma.
Vejo muitos alunos e outros bateristas que estão seguindo caminhos diversos, e não tenho a pretensão de achar que o meu caminho é o único ou o melhor. E há sempre que se considerar as possibilidades e oportunidades.
MD: Quais as principais diferenças em sua forma de tocar quando está fazendo seus projetos como líder e quando atua como sideman?
Edu: Quando você está trabalhando como líder, agrega muito mais responsabilidades.
Além das responsabilidades extramusicais de produção, musicalmente você tem de cuidar de tudo o que vai acontecer, escolher repertório, preparar arranjos, chamar as pessoas que se adequam ao que você está esperando ouvir e criar um clima agradável para que todos os músicos se sintam à vontade na hora de tocar.
É muito importante conhecer bem os músicos que você vai chamar e o que espera deles, pois eles com certeza vão contribuir muito e cada um vai imprimir a sua personalidade, abrindo novas possibilidades para a música.
Quando você trabalha como sideman, só tem a responsabilidade de fazer com que a música de quem gentilmente te convidou soe da melhor maneira possível. Existem dois tipos de trabalho como sideman aqueles em que você ou qualquer outro baterista que esteja tocando não fazem a menor diferença, e aqueles em que as pessoas te chamam porque querem você tocando e te dão muita liberdade. Sou muito feliz por trabalhar com muita gente que quer que eu toque da minha maneira, com o meu som.
Quando sou chamado para o outro tipo de trabalho de sideman, tenho de deixar meu ego de lado e fazer bem o trabalho que me propus. Acho que o maior elogio que você pode fazer a um músico é convidá-lo para fazer parte de um trabalho. Uma vez que você aceitou, respeite isso e a música. Caso contrário, desista do trabalho. Nas duas maneiras líder ou sideman toco com a mesma responsabilidade de servir à música.
MD: Um dos trabalhos do qual você participou, o disco Randy In Brazil, do trompetista Randy Brecker, venceu um Grammy. Qual foi sua abordagem para realizar esse trabalho?
Edu: Este trabalho foi gravado muito tempo atrás. Não me lembro ao certo, mas acredito que foi por volta de 1999 ou 2000. Eu tinha acabado de me mudar para São Paulo e trabalhava muito com o Sizão Machado. Foi ele que me indicou, pois ele já estava gravando o disco, que ficou pronto e parado por um tempo. Foi lançado em 2008 e venceu o Grammy este ano.
Gravei uns quatro arranjos belíssimos e complicados do Ruriá Duprat. Não tinha a menor ideia do que iria tocar e fui apresentado ao Ruriá e aos arranjos já na seção de gravação. A única coisa que eu sabia era que deveria tocar um arranjo e ser bem fiel ao que o arranjador queria. Foi um disco com sonoridade brasileira, mas com o som de bateria mais “agulhado” do que costumo usar. Fora a parte “profissional”, foi uma verdadeira honra e um desafio participar de um projeto como este.
MD: Você também é educador. O que prioriza junto a seus alunos?
Edu: Música para mim é uma linguagem como qualquer outra. Ou você fala e entende ou sempre vai ficar sem entender algo. É como falar poucas palavras de inglês, por exemplo. Uma pessoa começa a falar poucas palavras que você reconhece e você responde com as poucas que sabe. Logo ela desata a falar milhões de coisas que você não entende e não pode responder, negar, concordar, enfim, argumentar, porque você não entendeu.
É lógico que a percepção da música é muito mais abstrata do que das outras linguagens, mas a comunicação com os outros músicos depende muito do conhecimento da mesma linguagem. Com os meus alunos eu prezo, a princípio, os fundamentos básicos da linguagem e do instrumento.
Como fundamento básico do instrumento, dou muito valor à sonoridade, que é algo pouco abordado quando se fala de bateria. Os bateristas geralmente estudam técnica em borrachas ou pads e com fones de ouvido para não machucar o ouvido, mas cuidado, você pode machucar o ouvido dos outros. O seu som é tudo o que vai fazer diferença, você precisa ter o controle dele. Depois que isso já estiver razoavelmente resolvido, começo a trabalhar as vontades de cada um. Você não pode começar querendo tocar determinado estilo em algum instrumento, tem que pensar primeiro em tocar tal instrumento.
Ainda acho que a maneira mais eficiente de aprender música é ouvindo e tentando reproduzir o que ouve, mas o entendimento da linguagem é fundamental para agilizar esse processo. Temos casos aos montes de músicos que nunca frequentaram uma escola e sabem muito sobre o assunto, mas para mim essas pessoas são diferenciadas na sua entrega. Elas se jogam e vivem isso diariamente, ouvindo e tocando sem parar, e muitos rompem essa barreira. Acredito um pouco em talento, mas também acredito em esforço e dedicação.
MD: Você estudou na Unicamp e leciona na Santa Marcelina. Você recomenda que um músico forme-se em um curso superior em música? O que um músico pode aprender em uma universidade que ele não pode acessar em outro lugar
Edu: Não acho que a faculdade seja essencial para o músico, mas acredito que ela é importante, pois pode agregar muitos valores. Além do conhecimento específico na área, a vivência acadêmica pode ser enriquecedora, estimulando a aprendizagem e possibilitando contato com novos saberes.
Para mim a formação na Unicamp representou muito em muitos sentidos, da aprendizagem com professores e colegas à disciplina de estudo e à prática profissional. A convivência com pessoas com interesses profissionais comuns me estimulou muito a aprender mais e melhor, e hoje muitos dos músicos com os quais trabalho são colegas e professores daqueles tempos. No entanto, observo que o significado dessa experiência depende muito do aluno, em termos de interesse e, sobretudo, de compromisso.
MD: Para você qual é a importância para os bateristas ter conhecimento básico de um instrumento harmônico?
Edu: Um baterista sempre tem de conhecer a música que está tocando. Quando comecei a tocar, conhecia todo o repertório da banda de baile que tocava, pois era sempre o mesmo e sabia o que fazer dentro dela. Depois fui estudar na Unicamp e me aproximei dos standards de jazz e brasileiros. Durante esse processo passei muito tempo tocando “levadas” de jazz ou bossa nova para outros músicos improvisarem, e aquilo me entediava, pois era como andar em um caminho desconhecido só para mim, do qual todos sabiam suas curvas e lombadas. Quando comecei a me preocupar em conhecer as melodias dos temas a fundo e também um pouco dos caminhos harmônicos, tudo mudou em um segundo. Comecei a tocar e interagir com os músicos, criando nuances para os temas e tendo mais conhecimento para dar mais segurança ao solista e ajudá-lo a construir o seu solo.
Acho que o baterista não pode se perder em ser um instrumento deslocado da música. Muitas vezes vejo bateristas que estudam dez horas por dia, têm uma técnica fora do comum, mas dedicam pouquíssimo tempo ouvindo a melodia e os caminhos harmônicos do que vai tocar. Alguns transcrevem solos dificílimos, reproduzem, mas não se preocupam sequer em saber a forma e a melodia da música que transcreveram.
Quando aceito um trabalho, sempre peço as gravações ou as partituras com melodia e harmonia para realmente entender o que vou fazer.
MD: Em seus solos é sempre possível perceber melodias aliadas a uma técnica superapurada. Qual é a importância de os bateristas saberem cantar as melodias das músicas para a hora dos seus solos?
Edu: É fundamental. Isso tem tudo a ver com o que falamos anteriormente. Não gosto de improvisar em cima de música que não conheço, a não ser que ela tenha uma forma e um caminho harmônico muito tradicional e intuitivo. Gosto de improvisar sobre a forma, não suporto quando estou tocando um tema superinteressante em que todos improvisam e para o solo de bateria eles querem o solo aberto (sem forma).
Já toquei com músicos maravilhosos que, quando chegava o solo de bateria, era a hora de eles baterem um papo, se desligar da forma da música e esperar que o baterista contasse para voltar.
Lembro até hoje quando ouvi o Philly Joe Jones tocar pela primeira vez. Era um disco do Freddie Hubbard com Winton Kelly no piano e o Paul Chambers no baixo. O Philly Joe improvisava tão melodicamente e em cima da forma que parecia um solo de piano. Você não precisa contar compassos ou cantar o chorus quando ouve o Joe, ele te conduz com uma segurança que você pode relaxar e ouvir suas melodias passeando por cima da forma da música. O Max Roach foi um gênio nesse sentido também.
MD: Fale um pouco sobre a importância de usar a técnica a favor da musicalidade.
Edu: O que adianta saber todas as regras gramaticais do português, que não são poucas, e não conhecer o assunto sobre o qual está falando? Técnica é uma ferramenta. Sempre falo que a minha bateria ou qualquer instrumento não tem som. O som, a música estão na sua cabeça, na sua alma, e a técnica existe somente para expressar isso.
Se você prepara um par de frases tecnicamente complicadas e decide usá-las a qualquer custo em uma música, está sendo chato. Imagine uma conversa em que eu estou preparado para falar que: “O Figueirense merece voltar para a primeira divisão”. Você me pergunta: “Como vai a sua família?” e eu respondo: “O Figueirense...”. E você me fala: “Você ouviu aquela gravação que te emprestei?”, e eu novamente: “ O Figueirense...”
Embora eu realmente ache que ele deveria e espero que volte para a primeira divisão, estaria sendo absolutamente chato e egoísta. Técnica por técnica é exatamente isso para mim.
MD: Você é a favor de transcrever solos e acompanhamentos de bateristas para tocar junto com as gravações?
Edu: Fiz isso por bastante tempo e ainda faço. É importante ouvir como cada um se coloca diferentemente, o fraseado de cada um. Uma coisa que gosto muito de fazer é ouvir solos de bateristas diferentes para as mesmas músicas, isso deixa claro a personalidade de cada um.
Também gosto de ouvir takes alternativos para as mesmas músicas com os mesmos bateristas e ver como eles mudam de acordo com a energia e estímulo dos outros músicos. Uma coisa muito importante quando se faz isso é perceber as sonoridades de cada um, o toque no instrumento. Isso é o que mais tenho prestado atenção e tentado melhorar ultimamente.
MD: O que você aconselha para se adquirir a linguagem e o conceito de um estilo musical ou de um baterista?
Edu: Escute muuuuuuuuuuuita música, cuide muito do seu som (toque) e acredite naquilo que gosta de tocar. Em princípio acredito que você deva experimentar de tudo musicalmente. Você vai perceber o que realmente te apaixona e é ali que deve se apoiar, pois esta é a sua verdade. Não queira ser outra pessoa ou outro músico. Aprenda muito ouvindo os outros músicos, mas tente usar a sua voz.
Não seja preconceituoso. Você sempre deve respeitar uma situação musical e tirar o máximo de proveito dela. Às vezes você despreza a sua verdade por influência externa e tenta ser uma coisa que não vai acontecer, pois sua essência e personalidade já estão consolidadas.
MD: Você toca semicolcheias no chimbal com muita leveza, suíngue e velocidade. Como você atingiu esse nível?
Edu Ribeiro: Em primeiro lugar, obrigado pela “leveza e suíngue”. Continuo trabalhando diariamente para tentar melhorar. Acredito que essa maneira de tocar seja comum e fundamental para os bateristas brasileiros, pois a maioria dos nossos ritmos é subdividida e pulsa em semicolcheias. Adoro o som da condução de música brasileira com todas as semicolcheias tocadas no prato ou no chimbal conduzindo o ritmo.
O primeiro baterista com quem convivi, meu tio Roberto Ribeiro, tocava dessa maneira e acredito que por essa convivência isso tenha virado quase que uma regra na minha maneira de tocar.
Comecei tocando em bailes com o meu pai e quando me mudei para São Paulo trabalhei por muito tempo na noite. Essas duas situações te obrigam a tocar por muito tempo sem parar e tendo de manter o pulso da música firme. Acho que isso me deu certa resistência para não brigar mais com a técnica e aprimorar a dinâmica e a interação com os outros músicos quando toco dessa maneira.
Fora isso, estudos de coordenação e principalmente muito tempo escutando outros bateristas me deram noção de tempo, sonoridade e a noção de saber colocar a bateria na música para fazer com que as coisas soem de uma maneira natural.
MD: Você recomenda algum exercício específico para atingir tal velocidade com sutileza?
Edu: Claro que sim. Mesmo que você viva uma situação profissional parecida com essas duas que mencionei, um ótimo exercício específico é criar um sistema para samba como os usados no livro New Breed, do Gary Chester, para arrumar a coordenação e ajustar o seu som.
Isso é importante, pois você nunca pode focar em uma única parte do instrumento, no caso sua mão direita. Já recebi alunos que tinham uma velocidade e emissão de som da mão direita fora do comum, mas, quando tocavam os ritmos, nada acontecia, pois o foco era simplesmente a velocidade no chimbal.
O sistema pode ser simples, semicolcheias tocadas na mão direita e bumbo de samba tocando a primeira e a quarta semicolcheias de todos os tempos. Comece lentamente e concentre-se nos uníssonos de chimbal e bumbo. Quando esses uníssonos estiverem funcionando bem, adicione a mão esquerda no aro da caixa em todas as combinações possíveis para as quatro semicolcheias de cada tempo. Isso vai gerar também uníssonos de chimbal e aro de caixa e uníssonos de chimbal, bumbo e aro de caixa em algumas combinações. Esses uníssonos são muito importantes para o ritmo fluir com leveza.
Isso irá resolver qualquer problema de coordenação para tocar esse ritmo.
Depois disso bem feito, pratique com algumas leituras com colcheias e semicolcheias ou algumas claves de samba até que fique natural. Tenha paciência, comece muito lento e vá aumentando o metrônomo gradualmente para tirar um proveito consistente do exercício. Chegará a um ponto do metrônomo em que seu som não será mais o mesmo por causa da velocidade. Esse é o seu limite. Aconselho que pare e retome um pouco mais lento, sempre tentando superar os seus limites.
Outra coisa boa é aumentar gradualmente o tempo que você toca sem parar. Comece com 5 minutos, depois toque 10, 20, 30 minutos e vá em frente se quiser. Isso irá aumentar muito a sua resistência.
Essas leituras ou padrões que você vai praticar não são musicais, são exercícios. Depois que conseguir fazer isso bem feito, ouça gravações de bateristas como Paulo Braga, Erivelton Silva ou Celso de Almeida e tente encontrar o som a que esse exercício pode te levar. É muito importante ouvir a maneira como eles se colocam na música, pois aí você ouvirá os ritmos, nuances e dinâmicas que cada um utiliza para cada parte da música.
Por mais que isso seja um exercício de coordenação, sua intenção será tocar um ritmo e criar coisas interessantes com ele. Fique muito atento para não tocar a bateria com três ou quatro sons separados. Ela tem de soar como um instrumento só. Você tem de ouvir uma bateria e não um chimbal aqui, um bumbo ali e umas notinhas ao redor do set.
MD: Em seu CD Já Tô Te Esperando, você mostra sua habilidade como compositor. Como é o seu processo de composição?
Edu: Crio as músicas na minha cabeça e uso o violão para escrever. Não tenho formação de compositor e esbarro muito no conhecimento harmônico mais profundo. No entanto, acho que isso me deixa mais espontâneo. Às vezes forço a barra de compor diariamente e passo dias procurando o que não perdi, e às vezes estou completamente distraído e coisas passam na minha cabeça. Isso não é uma apologia à ignorância, veja bem, não sou compositor profissional. Acredito que se você quer ser compositor, deve saber os caminhos para desenvolver isso de uma maneira mais objetiva.
MD: Você já compôs trilhas sonoras para cinema Conte um pouco sobre esses trabalhos.
Edu: Não sou um “trilheiro”, como diz o pessoal do cinema. Não tenho prática nenhuma em fazer um filme crescer ou uma cena ficar mais interessante com a música. O que fiz foram dois curtas do diretor Alexandre Rathsam, que me conhecia bem, mas nunca tínhamos trabalhado juntos.
Ele me chamou e disse que tinha um filme para fazer sobre os carroceiros que reciclam lixo da cidade de São Paulo. Esses catadores de lixo têm um trabalho superimportante na sociedade e, na maioria das vezes, são completamente desprezados e para muitos cidadãos são até um estorvo que atrapalha o trânsito e denigre a paisagem urbana.
Ele me falou sobre o roteiro e disse que tinha pensado em vinhetas de percussão para as trocas de imagens só com material reciclável. Marquei o estúdio e levei todo tipo de “cacareco”. Galão de água, latas, caixas de papelão, garrafas etc. Fiz uma pré das vinhetas em casa e levei tudo pronto para o estúdio. É impressionante como você pode tirar sons interessantes dessas coisas.
Preparei algumas músicas e gravei com violão, trompete e percussão. Dei a trilha pronta na mão do diretor e eles montaram e editaram. O segundo foi exatamente no mesmo estilo de vinhetas e algumas músicas. Para este, usei só bateria e percussão para as vinhetas sem o material reciclável, e tive de participar ativamente do processo de montagem e edição.
MD: Você compõe músicas para serem tocadas somente na bateria? Acha isso importante?
Edu: Compus poucas coisas para uma trilha de cinema da qual falei. Acho importante criar suas melodias na bateria, suas frases. Elas serão suas gírias e expressões pessoais. Quando compõe, seja uma música para um grupo ou só para bateria, você vasculha o seu baú e solidifica as coisas que estão perdidas dentro dele.
MD: Quais discos e/ou músicos o influenciaram na maneira de tocar e pensar musicalmente?
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Edu Ribeiro
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Edu: Diretamente, todos os músicos com quem já toquei. Chico Pinheiro, Yamandu Costa, Léa Freire, Fábio Torres, Paulelli, Ferragutti, Sizão, o falecido Mozar, entre tantos outros, são pessoas que me influenciam diretamente, pois convivo com a música deles.
Os bateristas Celso de Almeida, Toninho Pinheiro e Tutty Moreno são influências pesadas para mim. Os da minha geração, como o Alex Buck e o Cuca Teixeira, são pessoas que escuto constantemente, vivem na mesma cidade e também me trazem coisas novas que me influenciam sempre que os vejo tocar.
Acho que sou altamente influenciável pelo meio em que vivo e isso é uma das coisas que mais pesam para mim na escolha de viver em São Paulo. Admiro muito os músicos que vivem aqui e que são muitas vezes amigos de frequentar a casa. Fora esses com quem convivo, há vários outros. Não posso deixar de citar os bateristas Philly Joe e Bill Stewart. Quanto aos discos, tem um que eu não desgrudo que é o Native Dancer, do Wayne Shorter, com o Milton Nascimento. O Terra dos Pássaros, do Toninho Horta, também ouvi até furar.
Egberto Gismonti e Academia de Danças Sanfona, com o Nenê tocando bateria.
Forças D’Alma, do Tutty Moreno. É Samba Novo, do Edison Machado. Think Before You Think, do Bill Stewart. Ballads, Coltrane´s Sound e John Coltrane and Johny Hartman são discos que ouvi até a exaustão também. Adoro o Elvin Jones tocando, especialmente com vassouras. Gosto também do Don´t get Sassy do Ray Brown Trio com Jeff Hamilton na bateria.
MD: Quais músicos você tem escutado atualmente?
Edu: Esta semana em especial ouvi muito o Teco Cardoso, a Léa Freire, o Tiago Costa, a Mônica Salmaso e o Fernando Demarco baixista, pois passamos a semana em uma fazenda, gravando o disco do Vento em Madeira. Tenho escutado muito o Brian Blade. Eu o vi tocando em Paris em um clube de jazz pequeno e fiquei impressionado com o seu controle de dinâmica. Ele tocou tudo, não economizou, e com uma dinâmica muito confortável para o tamanho da casa. Os trios do Brad Mehldau e os discos do Moacir Santos sempre estão por aqui também.
MD: Conte-nos um pouco sobre o som de seu kit e o equipamento que você usa. O que você busca em termos de sonoridade tanto nos tambores como nos pratos?
Edu: Gosto do som de bateria aberto, do som das baterias de maple por causa da ressonância e do ataque do tambor para toms, surdo, caixa e bumbo. Tenho dois kits, mas o que mais uso é um de bumbo 18”x14” (adoro os bumbos de profundidade 14”, pois o ataque é imediato), tom de 12”x8”, surdo de 14”x14” e caixa de 14”x5” ou 14”x6,5” as caixas sempre de madeira.
Uso peles porosas Evans G1 em todos os tambores, inclusive no bumbo. Essas peles têm um som perfeito desde o momento em que você as coloca no kit. Não precisam amaciar.
Os pratos são uma peça importante do som. Gosto de pratos abertos e sonoros, também com som definido de ponta de baqueta. Estou usando as séries Master e Hammer da Bosphorus, que me dão uma leveza e um ataque definido, porém com um volume controlado e sem as altas frequências que a maioria dos pratos apresenta.
MD: Como você vê o atual cenário da música brasileira instrumental aqui e fora do País?
Edu: Maravilhoso! Não sou de reclamar. Sei que o mundo inteiro atravessa uma crise e que a cultura musical geral no Brasil, embora seja muito rica, ainda é massificada e penso que as pessoas não têm muitas opções de escolha fora o que toca no rádio ou na TV. Mas de dez anos para cá as coisas estão mudando. Temos vários músicos aparecendo nos últimos anos. O Yamandu, o Hamilton de Holanda, o Chico Pinheiro, o André Mehmari são pessoas que surgiram nesse período e estão representando muitíssimo bem a música instrumental dentro e fora do País.
Fora isso, o número de grupos profissionalíssimos e até amadores que aparecem a cada dia é cada vez maior. Recentemente foram criados selos como o Maritaca, da Léa Freire, em São Paulo, que botou no mercado um catálogo pra lá de bom à disposição de todos. No Brasil inteiro selos se interessaram mais por esse tipo de música e acredito que na última década os músicos se organizaram mais, deixando um pouco de lado a mentalidade de sideman. Isso aconteceu também porque, com a tecnologia fervendo a favor da música, surgiram muitos estúdios pequenos, o custo do CD barateou e os músicos se viram na possibilidade de lançar coisas que antigamente teriam de passar pelo crivo de um diretor artístico de gravadora, que nem sempre está preocupado com o valor musical da obra e sim com o valor comercial.
Os músicos têm de se organizar mais ainda, pois a internet dá espaço igual para todos, do iniciante ao consagrado. Todos têm a possibilidade de fazer o mesmo website ou suas promoções através do MySpace ou coisas do gênero. O público iniciante não sabe distinguir muito a oferta, que é enorme. Acredito que uma boa educação musical nas escolas seria uma saída para isso, pois, mesmo que apenas 1% da população siga a carreira de músico, criaremos 99% de uma plateia mais bem informada musicalmente.
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