ABC Domingo
Benedito era o cara

por: Juarez Fonseca
Porto Alegre, 02.09.2007

Caixa de CDs recupera a memória do flautista e arranjador que
nos anos 30 e 40 modernizou a música brasileira

Colecionadores e estudiosos da história da música brasileira estão sendo presenteados com uma verdadeira mina de diamantes: a caixa Benê, o Flautista, com quatro CDs e um livreto de 100 páginas sobre a vida e a obra de Benedito Lacerda, cujo cinqüentenário da morte ocorrerá em fevereiro. Selecionado pelo Programa Petrobras Cultural, o projeto do músico e professor paulista Paulo Flores mergulha nos anos 30 e 40, período em que, a partir do Rio de Janeiro, Benedito ditou a maioria das regras da música brasileira, sendo um dos principais articuladores de sua modernização - que coincidiu com o início do rádio e as reformas inovadoras trazidas pela Revolução de 30.
Além de compositor, flautista brilhante, arranjador e líder de grupos (que podem ser sintetizados no famoso Regional de Benedito Lacerda), ele foi cantor, produtor, empresário, político e sindicalista. Paulo Flores conta que uma das coisas que o motivou a desenvolver o projeto foi restabelecer verdades históricas e recuperar moralmente a memória de Benedito, durante anos acusado de ladrão de músicas e de só pensar em si próprio. No centro dessa polêmica estava um contrato feito em 1946 entre ele e Pixinguinha, que os tornava parceiros nas músicas gravadas pela dupla, mesmo as que, notoriamente, fossem só de Pixinguinha. Tipo Roberto-Erasmo, Lennon-McCartney...

Antes de julgar, poderíamos analisar”, escreve Flores no livreto. “Benedito era um sucesso com seu regional, estava no auge, com músicas gravadas pelas estrelas do rádio. Por outro lado, Pixinguinha estava esquecido, alcoólatra, incapaz de sustentar a família. Quem fez bem a quem? Quem se propôs a tirá-lo do buraco e pô-lo de volta na trilha do reconhecimento? Usar música como dinheiro era comum na época. Como Pixinguinha poderia pagar a Benedito? Quem somos nós para julgar um acordo claro e limpo que enriqueceu nossa cultura? Por outro lado, músicas dele são creditadas a Pixinguinha e várias são parceria certa. Se ele fosse um bico, tudo bem, mas não era.

Exposta nas 24 faixas do CD 2, a parceria Benedito-Pixinguinha, para muitos a mais perfeita da história do choro, dava-se nas composições e nas gravações do Regional, todas instrumentais, com Benê na flauta e Pixinga no sax. É uma seleção primorosa, clássicos deles como 1 x 0, Cheguei, Cochichando, Ingênuo, Urubu Malandro, Vou Vivendo, e de outros, como Atraente (Chiquinha Gonzaga), Remelexo (Jacob do Bandolim), Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu). Algumas faixas são gravações ao vivo no programa “Pessoal da Velha Guarda”, que Almirante apresentava na Rádio Tupi e que pautam também boa parte dos outros discos da caixa.

O CD 1 reúne 18 gravações do início dos anos 30, com o primeiro grupo de Benedito, autor e cantor da maioria das faixas, retratos da época como Disca, Minha Nega, sobre os primeiros telefones automáticos. Os CDs 3 e 4 centram-se no Benedito autor de sambas e marchinhas, e em seu Regional, que acompanhou em gravações todos os grandes cantores - aqui, entre outros, Almirante, Francisco Alves, Mário Reis, Carmen Miranda, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Carlos Galhardo. É uma maravilha, vale como um curso sobre o Brasil daquela época. E vêm aí mais dois volumes.

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