Revista Batera & Percussão
Bateria em harmonia
por:
Dudu Portes
fotos:
Tatyana Alves e Décio Figueiredo
Agosto 2006 - nº 108

Reunimos gerações distintas de bateristas compositores para discutir a
importância do aprendizado de harmonia e melodia dentro do mundo ritmico

Revista Batera & Percussão
Para tirar a idéia de que baterista só conta compasso, fizemos uma mesa redonda com quatro bateristas que estão lançando discos com composições próprias. E para mostrar que isso não é um conceito dos mais veteranos, reunimos diferentes gerações. Alex Buck, com 26 anos, que está lançando o CD Luz da Lua; Edu Ribeiro, com 31, que colocou no mercado seu Já Tô Te Esperando; Nenê, com 59, que além do recente Ogã, está relançando seus primeiros trabalhos, Minuano e Bugre; e Chico Batera, com 63, que falou sobre Lume.

Alex Buck
Como foi que a harmonia passou a fazer parte da vida musical de vocês?
Alex Buck: Eu ouvi muito os músicos mais velhos. Conversei um dia inteiro com o Nenê e foi ele quem abriu a minha cabeça. Ele me disse que eu tinha que tocar piano e não apenas depender das músicas dos outros. E foi isso o que aconteceu, ouvi os conselhos de uma pessoa mais experiente e que eu admiro muito. A molecada tem sempre que se aconselhar com os mais velhos. Comecei estudando piano e flauta no CLAM. Nessa época não tinha ainda a proposta de tocar bateria. Parei por um tempo e depois que voltei me decidi pela bateria. E quando tinha 18 anos fui estudar o piano a sério mesmo.

Edu Ribeiro
Edu Ribeiro: No meu caso, minha família é de músico. O instrumento da casa era violão, todo mundo sabia tocar um pouco. Depois que comecei a estudar bateria percebi que pelo fato de conhecer a harmonia das músicas, tudo ficava mais fácil. Era mais prazeroso improvisar em um tema que conhecia a harmonia e melodia. Mas estava muito focado na bateria. E só depois que vim para São Paulo fui pegar alguns toques de harmonia e melodia com professores. Isso é muito mais musical do que qualquer coisa. E passei a compor. E tive também influência de muitos músicos com quem trabalhei aqui em São Paulo. Participei de muitos laboratórios e isso me mostrou como tudo funcionava. Quando passei a entender mais harmonia, comecei a compor minhas próprias músicas. Meu pai é guitarrista e a gente sempre tocou bastante em casa, e tudo o que faço é no violão. Escrevo tudo a partir desse instrumento.

Nenê
Nenê: Sempre toquei pandeiro, desde pequeno, quando tinha uns 5 anos. Mas meu pai queria que eu tocasse acordeão porque no Rio Grande do Sul esse é o instrumento tradicional. Disse que não queria tocar acordeão e ele insistiu, disse que eu tinha que estudar um instrumento de gente, segundo ele. Ele me deu o acordeão, mas eu tinha um amigo que tocava pandeiro e quando eu encontrava com ele a gente trocava. Nessa época meu pai me colocou em uma escola de música e até hoje eu me arrependo de não ter seguido o que ele falava, porque se eu tivesse estudado o acordeão naquela época, direitinho, como ele queria, eu seria um excelente leitor de música. Mas infelizmente não soube aproveitar essa oportunidade e agora tive de voltar a estudar piano. Quando cheguei em São Paulo, não tinha trabalho porque não era conhecido aqui, e como tocava acordeão decidi que iria atacar de pianista em uma boate. Tocava só com uma mão, com a direita. O guitarrista era o Almir Stroeter. Disse a ele que não era pianista e ele me sacaneava (risos) tocava umas coisas complicadas, como uns chorinhos em si maior, e eu tinha que me matar. E resolvi que iria fazer free no piano, era um barraco. Teve uma época em que toquei em duas boates como pianista, saia de uma e ia para uma outra. Ia até 11 da manhã, tinha um baterista, um baixista e uma cantora. Na prática era legal porque tocava de samba a bolero, e aprendi dessa forma, na raça. E foi com o Hermeto Pascoal que melhorei, com ele não tinha jeito, tinha que sentar no piano e ler partitura. Mas eu não analisava nada, era uma decoreba, tocava certo sem saber o que estava fazendo. E ele me chamou a atenção para isso, para que eu tirasse proveito daquela experiência. E aí aprendi um pouco mais do piano. Como toquei bastante tempo com ele, deu para aprender muitas coisas, principalmente sobre harmonia. Depois acompanhei Egberto Gismonte e em um dos números ele disse que eu iria tocar piano. E ele tem uma coisa importante, que além de uma técnica fabulosa e tirar um som incrível do piano, ele é original, ele improvisa de outra maneira, totalmente diferente. Com relação à bateria era algo muito aberto, ele nunca exigiu nada. Como ritmicamente ele tem uma segurança incrível, o baterista pode fazer o que quiser. Tanto que com uma mão ele toca um 6/8 e a outra em 2/4. Você pode acompanhar uma mão ou a outra. Mas voltando ao piano, depois que estava mais velho, resolvi levar o estudo desse instrumento mais a sério. E conheci uma pianista fabulosa, a Heloisa Fernandes. Pedi para ela me dar umas aulas. Ela me indicou alguns métodos e estou descobrindo muitas coisas que eu tinha deficiência antes. Gosto de compor coisas com muitas notas e rápidas, e muitas vezes eu não conseguia tocar o que eu escrevia. Isso está me ajudando a executar minhas próprias composições. E o engraçado é que sinto uma mesma dificuldade que sentia quando comecei a tocar bateria. Uma vez fui tocar com o Mutinho e me deu uma tremedeira no pé esquerdo de nervoso pelo fato dele estar me olhando. E com piano, como eu sou novo, às vezes tenho essa sensação. Uma coisa que está me ajudando muito é acompanhar a Zezé, mas ainda assim, quando vou atacar com ela me dá um grilo antes. Qualquer coisa que desconcentrar no piano você erra. Mas tenho uma disciplina regular de estudo para que eu possa avançar. Tem uma dica muito boa do Amilton Godoy, ele me indicou um livro do Chopin e disse para que eu pegasse um compasso de uma música e praticasse até tirar exatamente o que estava escrito ali, com todas as dinâmicas, com o som que se pode tirar e no tempo exato. Fazer isso compasso por compasso para ter certeza e segurança do que se está fazendo. Isso é uma prática que depois de seis meses mostra uma evolução muito grande.

Chico Batera: Meu instrumento de harmonia é o vibrafone, e ele exige bastante precisão na hora de tocar. O progresso nesse lado mais harmônico e de melodia dá uma grande satisfação na hora de tocar bateria porque suas frases ficam mais bonitas. Quando quis aprender a tocar o vibrafone fui pedir uma ajuda para o vibrafonista da orquestra sinfônica do Rio. E ele me dizia que eu iria aprender a tocar o vibrafone do mesmo jeito que aprendi a tocar bateria, atormentando os vizinhos ou quem estivesse perto de mim (risos).

Nenê: Sua visão fica melhor, seu campo de atividades aumenta. Se não tem uma visão harmônica, o músico fica limitado, e isso não precisa estar separado da bateria. Você sabe onde colocar tensão dependendo do acorde que é dado. Essa noção dá um refinamento. O baterista fica mais criativo também.

Chico: Eu me lembro dos dois primeiros anos que morei nos Estados Unidos. Certa vez estava em uma jam session com vários músicos, e quando acabou, um cara chegou e falou que eu tocava muito ritmicamente. Na hora fiquei intrigado, não sabia se isso era um elogio ou uma crítica. E, muito tempo depois, percebi o que o cara estava querendo dizer. Estava tudo legal, não corria e nem atrasava, mas era uma cabeça puramente rítmica.

Edu: Uma coisa que gosto de fazer quando pego um trabalho é tirar as músicas antes no violão porque toco muito melhor. Tenho uma visão total da canção, fica mais fácil compreender.

Chico: Ainda sinto um descaso enorme, nos músicos em geral, com a melodia, principalmente naqueles mais habilidosos com seu instrumento. Porque essa viagem da harmonia tende ao infinito. E percebo, muitas vezes, em grupos que eu acompanho, que com as cifras os caras arrasam, mas não se leva a sério a melodia. Principalmente os jazzistas, que vão pela música loucos para aquela parte acabar logo e ele poder partir para o improviso.

Edu: Tem alguns músicos que não têm a teoria da harmonia tão clara e improvisam em cima da melodia. Saem coisas interessantes....

Nenê: Mas também podem sair coisas horrorosas (risos)...

Chico: É o chamado floreio. [“Tem músico da minha raça, vira-lata, que tem um grilo de escrever. Na minha opinião, o escrito é muito mais fácil porque você não precisa lembrar daquela porção de acordes”, Chico Batera]

Alex: Mas quando o cara segue a intuição com sucesso é demais, depois se ele quiser, vai estudar para saber o nome das coisas. [“Eu ouvi muito os músicos mais velhos. Conversei um dia inteiro com o Nenê e foi ele quem abriu a minha cabeça”, Alex Buck]

Nenê: Quando comecei, a maioria dos músicos tocava de ouvido, ninguém lia nada. E na hora de improvisar se criava um sistema que funcionava para cada um. Mas há outros, que não têm um ouvido tão legal, que não conseguem fazer isso.

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