O Estado de São Paulo - Caderno 2
Paulo Freire transforma mitos brasileiros em som
por: Lauro Lisboa Garcia
01.07.2009

Com shows hoje (01/07) e amanhã (02/07), violeiro lança o livro e CD Nuá, que tem Bocato, Léa e Tuco Freire, Proveta, Toninho Ferragutti, André Mehmari e outros convidados

Paulo Freire
Foto: Valéria Gonçalves /AE
“Vai ouvindo.” É assim que o violeiro Paulo Freire costuma chamar a atenção do interlocutor em partes-chave dos causos que conta. O bordão é também o nome do selo pelo qual vem editando seus discos. O mais recente é NuáAs Músicas dos Mitos Brasileiros, CD e livro que ele lança com dois shows hoje (01/07) e amanhã (02/07) no Sesc Consolação. Bom de música, de escrita e de contação de história, Freire une as três coisas com maestria. Esta não é sua primeira experiência na área. O Canto dos Passos (1988), o primeiro de seus seis livros, foi o que abriu espaço para a música, como elemesmo diz em seu site (www.paulofreire. com.br). Zé Quinha e Zé Cão (1993) e Lambe-Lambe (2000) tinham suas trilhas sonoras correspondentes. O CD Vai Ouvindo (2003) foi todo composto sobre referências literárias.“ Sempre me interessei pela mitologia brasileira. Desde que comecei a tocar viola sempre busquei essas histórias, não de uma forma profissional,mas por gosto mesmo”, diz o paulistano Freire. Léa Freire assina os arranjos de quatro faixas, as outras nove são distribuídas entre o próprio Freire, Bocato, Nailor Proveta, Paulo Braga, Toninho Ferragutti, Tuco Freire, o grupoSonax, que trabalha com “esculturas sonoras”, e outros. Além deles, participam como instrumentistas André Mehmari, Nenê, Teco Cardoso, Mané Silveira, Toninho Carrasqueira, Luiz Guello, Rubinho Antunes, Walmir Gil e outros mais. É um desfile de feras para acompanhar os ponteios da viola de Freire e dar vazão a altos voos instrumentais. Nuá, como diz a antropóloga Betty Mindlin no posfácio do livro, é uma “viagem” divertida, que se caracteriza “pela malandragem, pelo prazer com o corpo e a sexualidade”. Explica-se. Em todo lugar por onde Freire passou, ouviu essas histórias que adaptou sempre acompanhadas de tiradas de humor e sacanagem. “Tem a versão dos mitos que contam para crianças, que não entram nesses detalhes”, explica. O pau com que o Curupira bate nos detratores da natureza é o próprio órgão sexual dele. Curupira, aliás, é uma das faixas mais, digamos, experimentais do CD e tem arranjo de Bocato, que, segundo Freire, é a cara do personagem. “O Curupira é bravo, doido, anda pra frente mas tem os pés virados para trás. Bocato tem a coisa da tradição, mas tem sempre olhado para a frente”, compara. “A Dança dos Tangarás tinha de ser para o Proveta, é passarinho. As coisas mais delicadas ficaram com a Léa (O Segredo das Veredas, Lagoa Encantada, Nuá e Fogoso). Paulo Braga gosta muito de cachorro, então dei pra ele arranjar Cunhado de Lobisomem.” Freire diz que procurou criar músicas mais simples até do que nos outros discos. Mas não fez um álbum tradicional de gêneros comuns à viola caipira, que toca em todas as faixas. Ele que já levou a viola ao rock em Vai Ouvindo, compôs em Nuá temas que têm a ver com os ritmos característicos de cada região onde ouviu cada história. A música veio junto com elas. Teiú do Jarau veio do Rio Grande do Sul, ele então tentou fazer uma milonga. O coco de viola, que é mais do Nordeste, aparece em Serpente Emplumada. No show ele vai contar algumas histórias inteiras, outras em resumo, e tocar oito faixas do CD. Freire diz que fica em dúvida se essa forma de juntar música com literatura faz muito sentido comercialmente. “As pessoas reclamammuito, desde lojista até o pessoal da imprensa, que uma coisa atrapalha a outra. Mas não consigo desvencilhar uma coisa da outra.”

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