A compositora, arranjadora e flautista paulistana Léa Freire é também uma filósofa, como os grandes músicos de todos tempos. Pode-se perceber isso com nitidez ao ouvir seu disco Cartas Brasileiras e ler os textos escritos por ela no encarte. O disco, brilhante trabalho de supressão das fronteiras popular-erudito, reúne as interferências de nada menos que 66 músicos “populares” e “eruditos” ajudando-a a criar uma obra rara no Brasil, de alta sofisticação e, ao mesmo tempo, emocionante naturalidade. Destacando a presença de alguns deles ao comentar cada composição no encarte, Léa revela uma razão importante para ter conseguido tal resultado: são palavras e idéias de uma personalidade agregadora, generosa, uma líder. “Escrever para orquestra é minha nova paixão”, diz. “É o resultado de uma formação musical ‘democrática’ que compartilho com vários músicos. Adoro trabalhar em parceria. A música é a mais coletiva das artes porque ela, no momento em que acontece, é uma reunião de esforços.” Léa entrou na música pelo aprendizado do piano clássico, interessando-se depois pela flauta, o jazz e os ritmos brasileiros.
Esses ritmos e harmonias, vindos de diferentes épocas e circunstâncias, fazem as Cartas Brasileiras. A primeira faixa, Vento em Madeira, é um baião com arranjo para orquestra completa (36 instrumentistas). Bis a Bis, um encantador maxixe levado à Academia pelo fantástico quinteto de sopros Sujeito a Guincho. E assim temos uma valsa-choro como Caminho das Pedras, valsas como Maré e Nove Luas (aqui o sax alto de Nailor Proveta é de emoldurar), sambas finíssimos como Isabella e saltitantes como Domingo de Manhã, choros como o quase visual Choro na Chuva, peças de alta inspiração extração como Espiral, em que dialogam o piano de Léa e a voz maviosa (este adjetivo se impôs), em scat, de Mônica Salmaso. Entre os músicos, escolho para citar o regente Gil Jardim, Teco Cardoso, Paulo Bellinati, André Mehmari, Izaías do Bandolim, Paulo Braga, Alceu de Almeida Reis, Horácio Schaefer, são tantos! Se você gosta de música instrumental, principalmente orquestral, este pode passar a ser um de seus discos de cabeceira.
Lançado pelo selo Maritaca (criado em 1997 pela própria Léa Freire), com distribuição da Tratore, o CD pode ser comprado também no site www.maritaca.art.br