Diário do Comércio
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"Independentes atrevidos"
por André Domingues
17/03/2005

Inovadores, eles crescem enquanto as grandes gravadoras passam por severa crise

Não foram poucas as mães que ficaram aliviadas quando o filho encostou o violão e resolveu se dedicar a "algo de futuro". Mas o que diriam de uma administradora de sucesso que largou emprego e segurança para se dedicar integralmente à música – e, pior, instrumental? Que endoidou? Não seriam as únicas. Muita gente pensou isso em 1996, quando Léa Freire deixou uma multinacional para viver da sua flauta e do pequeno selo Maritaca, criado para lançar seu 1° disco, Ninhal. E muito mais gente estranhou quando, em 2002, ela começou a dispor das economias para editar uma série de outros discos do mesmo perfil. Agora, com a Maritaca ganhando cada vez mais espaço, Léa ainda é vista com alguma suspeita, mas muitos já a consideram uma visionária. A favor destes, conta o fato dela não ter perdido o fôlego e acabar de mandar para as prateleiras mais quatro ótimos álbuns: Revoada, de Vinícius Dorin, Auto-Retrato, de Caíto Marcondes, Fruto, de Heloísa Fernandes, e Antologia da Canção Brasileira, dela e Bocato. E mais: daqui por diante, planeja lançar, em média, um disco por mês!

Nicho variado

Léa faz parte de um setor da nossa produção cultural que cresce espantosamente, o da música independente. É um nicho variado que engloba, desde de artistas iniciantes, até um leque representativo de nomes consagrados mas desinteressados dos modismos sazonais. Por conta de ambos, grande parte do que se faz de realmente inovador e sofisticado na MPB está ali.

Sem pirataria

O crescimento dos independentes é curioso, pois se dá ao mesmo tempo em que as grandes gravadoras passam por uma crise severa. A realidade, entretanto, é que BMG, EMI, Sony e Universal pouco se relacionam com o mundo da Maritaca. Para esta, por exemplo, a preocupação com os modismos e as perdas com a pirataria são ínfimas, já que as tiragens dos seus discos não são suficientes para alimentar uma multidão de fãs nem atraem falsificadores. Léa explica a disparidade: "Os independentes não precisam em nada do circuito das mega-estrelas, já que a gente toca, vende e divulga em lugares diferentes. Não têm concorrência".

De fato, os lugares são diferentes e delineiam circuitos quase paralelos. Já existem lojas especializadas em independentes, como a novíssima Mauro Discos, sediada no Shopping Pompéia Nobre (Rua Clélia, 33, Pompéia), e até distribuidoras que só cuidam do ramo, como a Tratore, que entrega CDs de mais de 100 pequenos selos, além de alguns artistas autônomos. Os palcos também não costumam se misturar. Unidades do Sesc, centros culturais e bares ficam com os independentes, e simplesmente por não se interessar – e nem poder pagar, diga-se – pelos shows de uma Ivete Sangalo.

Prazer

Porém, se no plano comercial não há atritos, no plano cultural a relação não é amistosa, tanto que tem se difundido cada vez mais o termo "Música de Resistência" para designar os independentes. Sua receptividade varia. Léa Freire, por exemplo, prefere dizer que faz "música brasileira de verdade". E argumenta: "Não quero que o meu trabalho pareça motivo de sofrimento, pois estou tendo um prazer enorme."

Já o pianista Benjamin, diretor da gravadora Núcleo Contemporâneo e vice-diretor da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), vê ambigüidade na designação: "A resistência existe quanto aos nossos princípios artísticos, mas esse nome pode sugerir que a gente esteja se defendendo do mercado, da vontade do grande público, e eu não sinto assim". Para ele, a questão se resume da seguinte maneira: "Nós estamos nisso pela música e eles, pelo retorno financeiro. Se os discos não derem dinheiro, eles param. Nós, não".

Revoada, Vinicius Dorin; Antologia da Canção Brasileira, de Léa Freire e Bocato; Fruto, de Heloísa Fernandes e Auto Retrato, de Caíto Marondes: independentes alçando vôo

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