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"Entrevista com Léa Freire"

por Solange Castro
Dez. 2005

Ela é multi-instrumentista, compositora, empresária – já foi professora e tentou ‘desviar’ da música, mas, para o bem te todos, voltou com força para o palco, estúdios e lançou o Selo Maritaca, que domina um dos mais belos acervos da música instrumental brasileira...
Numa conversa muito divertida e inteligente, Léa Freire nos conta sua trajetória, sua paixão pela música e sua batalha como “empresária”...

Solange Castro   

Léa Freire
Solange Castro - Alô, Léa - em primeiro lugar, que bom que você aceitou nosso convite... Obrigada...
Você é flautista, mas estudou vários instrumentos - piano, violão, sax... Quando você começou a se interessar por música?

Léa Freire - A família inteira sempre se interessou por música. Comecei a estudar com uma professora quando tinha sete anos - aulas de piano, com uma alemã maluquinha que vinha em casa de bicicleta - ela era massagista da minha mãe também, rsrs... Mas era muito chatinha, aquela coisa de música só com partitura, não pode tirar nada de ouvido, uma bobagem... Ai fui ter aula com a Ercilia Boggi, que era um amor e deixava eu fazer o que bem entendesse, inclusive improvisar. Ela gravava tudo num gravador de fita cassete, nem sei onde está isso. Acabei fazendo dez anos de piano erudito e me apaixonei por Bach, Debussy e Chopin, claro. Minha mãe tem ouvido absoluto total, coisa de gênio mesmo, mas nunca foi profissional, e ela gostava muito de bossa nova. E tenho um tio que é pesquisador de musica o, JL Ferrete, e ele fazia aquela coleção maravilhosa da Abril, uns LPs brancos muito chiques, a gente tinha tudo, comprava em banca de jornal - pra você ver como esse negócio de vender música em banca é antigo... Tinha todos os clássicos e todos os populares brasileiros. Alguém tinha que reeditar isso. Ai um belo dia minha mãe apareceu com um compacto dos Beatles, em casa, tinha ouvido Michele no rádio e comprou. E eu descobri o rock and roll, e montei uma banda de rock com uma flauta doce. A gente tinha aula de flauta doce na escola e eu tocava aquilo o dia inteiro, até que meu pai resolveu me dar uma flauta transversal, à base de troca, saca? rsrs... E a flauta transversal entrou no grupo de rock. Era tudo muito dark, o grupo chamava Thanatos - que é "instinto de morte" - e eu brincava com uma cobra - a Jandira - uma coral falsa que era do baterista, o Malcolm. Figuraça, brincava com ela durante os ensaios - ela vinha e se enrolava em mim, eu fazia cafuné e ela dormia. Não é verdade que cobra é grudenta, viscosa, gelada. Nada disso. … sequinha e fresca, eu diria... A Jandira era muito legal... E o Alice Cooper nem tinha aparecido ainda...
E continuava gostando demais de bossa nova e queria aprender violão pra fazer aquelas harmonias - nada de estudar flauta ainda pra não tirar o gostinho de só fazer o que eu quero no instrumento...
Fui estudar violão no Zimbo Trio - inscrição número 4 do CLAm - tive aulas com o Luis Chaves, depois com o Amilson Godoy, o Tuca, de piano e com o maestro Cyro Pereira. Todos concordaram que eu era mesmo muito preguiçosa pra estudar as coisas na base da repetição... Comecei a ter aulas em 74 (vixe !) e em 75 comecei a dar aulas de violão lá mesmo, para os principiantes. Ai me chamaram também pra dar aula de flauta. Eu conheci em 74 o Filó Machado – Ô sorte! - e ficava andando pra cima e pra baixo com ele pra ensaiar. Ele morava num apartamento muito pequeno com filho, mulher, cunhada - a gente ensaiava na rua - Praça Roosevelt, escadas da 9 de Julho. Hoje se for fazer uma loucura dessas periga acabar tomando um tiro...

Solange Castro - Rs... Com certeza...

Léa Freire - Em 75 também comecei a tocar com uma banda chamada Platô, que tinha entre outros o Caito Marcondes, o Sizão Machado, Duda Neves... O Zeca Assumpção entrou quando o Sizão saiu pra tocar com a Elis e o Nico Assumpção também fez uns shows com a gente. Davam aula no Clam: Eliane Elias, Nico AssumpÇão, Cláudio Celso, José Neto (hoje em São Francisco, tocando com o Ayrto Moreira), e me chamaram pra dar aula de solfejo pra grupos de 5 a 10 pessoas. Eu dava mais de 30 aulas por semana e me chamaram pra dar aulas de piano e eu dei risada e falei: que horas? Ai resolvi que tinha que estudar na Berklee, e tocava choro no Jogral com o regional do Evandro e dava as tais das 30 aulas por semana pra juntar uma grana... E fui pra Boston em 78 pra fazer o curso completo - na época, quatro anos - mas só fiquei duas semanas - achei muito chato, pra falar a verdade. Tinha bastante Informação, mas era tudo muito certinho - não gostei não. Então resolvi ir pra NY ouvir as feras do Jazz. A gente tava nessa de tocar Jazz. Jazz era tudo naquela época... Eu ainda gostava do Rock - ainda gosto - mas ouvia mais o pessoal do Fusion - tipo Mahavishnu Orchestra, Gentle Giant, Yes, e um dia apareceu o Hermeto e o Gismonti, e desde então to ficando cada vez mais apaixonada pela música brasileira.

Solange Castro - Bem, você começou estudando piano com sete anos... Aí foi estudar flauta com quantos???

Léa Freire - Aula de flauta tive uma com o Sion, outra com um saxofonista argentino chamado Hector Costina - e duas aulas de sax soprano com o Nestico...

Solange Castro - E bateria?

Léa Freire - Tive dois meses de aula - gostava muito mas aquilo fazia muito barulho e não agüentei...

Solange Castro - rs... Então você domina piano, flauta (várias), sax e violão, certo?

Léa Freire - Eu não domino nada, eu brinco. Música pra mim é o que me dá mais prazer, e o instrumento é uma pessoa com a qual você tem que saber lidar... Tem personalidade, sabe? Cada flauta é uma história...
Lembro que comprei uma bateria do Tutty Moreno, que hoje está com o Edú Ribeiro, chamada "madame". Ele se despediu dela - achei super legal...
Em Nova York, voltando, conheci o Guilherme Vergueiro, pianista. Fizemos um disco dele chamado "Naturalmente", só música instrumental - com cantora fazendo vocalise, como instrumento. Adorei aquela vida. Voltei pro Brasil em final de 79 e o Guilherme no começo de 80. Fizemos um duo muito legal - era um super desafio... Ele compõe muito bem e mora hoje no Rio. Tocamos juntos até 84/85. Aí fiquei grávida do Fernando, segundo filho. A Maria Rita, primogênita, nasceu em 81... E fica muito mais difícil com duas crianças do que com uma. Em 86 parei de tocar - vendi todos os instrumentos e fui trabalhar em outra coisa. Comecei como teletipista - que coisa antiga o telex... Depois fui pra informática porque falava inglês, só por isso, apanhei que nem vaca na horta, como se diz aqui no interior - depois importação/exportação, depois supervisora do financeiro, gerente, diretora administrativa... Foram onze anos fora da música... Mas comecei a compor em casa. A Joyce ouviu e fez umas letras lindas, e o que é pior, gravou!!! A gente tem uma dúzia de parcerias, e ela divulgou a minha música no mundo inteiro - sorte pouca é bobagem, certo? A primeira que ela gravou chama "Samba de Mulher", depois gravou "Oásis", depois "Vatapá", depois "Risco"...

Solange Castro - Lindas, verdadeiras obras-primas... Quantas músicas você tem compostas?

Léa Freire - Viche, acho que umas 60, 70, ou mais, nunca contei... Gravadas devem ter umas 25, por ai, porque deve sair um CD no ano que vem com mais 11, então 25 - esse CD do ano que vem é cheio de história - tem orquestra, regência do Gil Jardim, que também me deu a honra de fazer um arranjo lindíssimo, tem arranjo do Proveta, do Tiago Costa, meus pra orquestra, do Mozar Terra, do Luca Raele, do Sujeito a Guincho, chique no urtimo. O Teco Cardoso é quem tá produzindo e ele - bom - ele é o Xuxu - um capítulo à parte na minha vida...

Solange Castro - Teus discos sempre contam com um time e tanto...

Léa Freire - O Xuxu, quando eu parei de tocar, fez questão de levar uma flauta em casa e deixar lá - deixou onze anos - não vendia, não aceitava de volta. Quando voltei a tocar ele foi lá e pegou a flauta de volta.
O time tem o Proveta, a Mônica Salmaso, o Toninho Carrasqueira, o Paulo Braga (pianista), o Guello, o Zezinho Pitoco, o Teco - claro, o Tiago Costa, o Edú Ribeiro , o Sylvinho Mazzuca, o Mozar Terra, o Walmir Gil, o François, o Daniel Alcântara, o Vitor Alcântara, o povo lindo do Sujeito a Guincho, o Luca, o Serginho, o Thiago e o Nivaldo, o Montanha, o Alceu Reis (cello), o Isaias e o Israel, o Paulo Belinatti, o Andre Mehmari, Felipe Senna, a Tia toca (piano, na faixa com a Mônica)... A "Tia" sou eu...rsrs... Uma pá de músicos maravilhosos da Osesp, da Ocam, da Municipal de SP.

Solange Castro - "Maravilhosos" é pouco - rs... Esse é seu terceiro disco?

Léa Freire - Na verdade é o quinto. Senão vejamos: 1997 - "Ninhal"; 99 - "Quinteto" (com o Teco); 2005 - "Antologia da Canção Brasileira", volumes um e dois, com o Bocato; esse de 2006 vai ser o quinto...

Solange Castro - Fale de cada um deles - vamos começar pelo "Ninhal"...

Léa Freire - O "Ninhal" é um disco autoral - to lá mais como compositora do que como musicista - foi gravado de 94 a 96, em doses homeopáticas, e tem a participação de mais de cinquenta músicos, incluindo Filó Machado, Joyce, Banda Mantiqueira, Quarteto Livre, Tom da Terra, Jean Garfunkel, Claudia Ferrete, Lis de Carvalho, Theo da Cuíca, Pirulito. Ai formei um quarteto com o Tutty Moreno, Sylvio Mazzuca Jr e Pepe Rodrigues . E chamei o Teco pra fazer a pauleira - rs...
Eu ficava com os contracantos e ele com o serviço pesado. Ele gostou do repertório e me convidou pra fazer com ele uma turne pelos Estados Unidos em 98 com o quarteto dele, que na época era o Benjamim Taubkin, o Sylvinho Mazzucca e o AC Dal Farra. A gente ensaiou que nem louco e fomos super afiados tocar em Miami e Nova York, no Blue Note... Foi super legal, demais de legal mesmo. Marcamos daqui uma sessão de gravação em Nova York - o Teco marcou, diga-se - e resolvemos que depois do Blue Note íamos gravar. A gente tava tão afiado que o disco inteiro foi gravado ao vivo em apenas uma sessão.

Solange Castro - Ulala... Esse é o ponto - quando "profissionais" entram "ensaiados" em estúdio, um disco sai bem em conta e com qualidade ímpar...

Léa Freire - E o estúdio e o técnico arrasaram também, tanto que muitas das faixas a gente preferiu a versão do estúdio à da mixagem...

Solange Castro - Saiu por qual Selo?

Léa Freire - Saiu pelo Núcleo Contemporâneo - hoje é da Maritaca.

Solange Castro - Uh! Chegamos na Maritaca - mas antes, fale mais sobre os outros discos...

Léa Freire - o "Quinteto" foi lançado em 99 - dai comecei a produzir os outros - Silvia Goes, Arismar, etc., e só gravei de novo em 2004 com o Bocato os dois CDs da "Antologia da Canção Brasileira", vols 1 e 2. Foi assim - o Bocato me ligou e perguntou se eu tinha flauta baixo - eu tinha acabado de encomendar uma flauta pra Suzy Schwarz, flautista brasileira amiga que mora em NY - a flauta ia chegar em uma semana e eu disse pra ele: "como você sabia?", e ele disse que não sabia. Essa história está inclusive na cinta do CD... Então, o Bocato falou do projeto dele, de gravar clássicos da música brasileira lentos, como aqueles discos de baladas de jazz do Milles, etc, cheio de harmonia... E falou harmonia, falou comigo - adoro harmonia... Ele tinha uma gig toda quinta-feira aqui em Sampa, e a gente começou a tocar os arranjos em agosto de 2003. Fui fazendo um arranjo e depois outro e mais outro e gravamos em 2004 - três dias, 20 músicas. O quarteto que acompanhou a gente foi o Michel Freidenson de piano, Djalma Lima de guitarra, Sizao Machado de contrabaixo e Edú Ribeiro na bateria. Achei tão legal que o projeto continua e mais ou menos já escolhemos o repertório pro vol. 3.

Solange Castro - Só "monstro"...

Léa Freire - Uns monstros super bonzinhos, bando de xuxus...

Solange Castro - Rs... "Bálsamos monstros" - rs...

Léa Freire - O Vol1 ficou entre os 10 mais vendidos na FNAC quase dois meses... O vol 2 apenas iniciou sua carreira...

Solange Castro - Gente - É maravilhosamente impressionante isso... Como pode os "donos da mídia" se fixarem somente na música puramente comercial? Tudo bem que o público da FNAC É "exclusivo", mas certamente se abrissem para o popular nossas obras primas seriam muito bem vindas...

Léa Freire - Daqui a pouco vão piratear a gente... rsrsr...

Solange Castro - Léa, quem gosta de "Música" não compra pirata...

Léa Freire - Mas só pirateiam os famosos, por isso... Atualmente eu e o Bocato estamos tocando no Tom Jazz toda quarta-feira, até o final do ano...

Solange Castro - Na minha próxima ida a São Paulo não perderei por nada vocês dois ao vivo...

Léa Freire - Oba, tem convite, viu? Só avisar...

Solange Castro - Oba! Ainda em Dezembro terei que ir aí...
Mas agora me fale um pouco da Maritaca...

Léa Freire - O primeiro lançamento da Maritaca foi o disco "Ninhal", em 97. Dai dei um tempo, tava mais querendo tocar mesmo. E tocando com o Teco, e com o Arismar, com o Itiberê – só delicias, comecei a produzir o segundo CD em 2000, foi o CD "Piano a brasileira', e logo peguei gosto e produzi mais dois, "Estação Brasil", do Arismar do Espirito Santo" e "No tom da história", com o Tibô Delor, baseado na obra de Tom Jobim. Lancei os três em 2001 numa festa de arromba no SESC Pompéia, chamada "O Som da Maritaca". Até hoje tem gente que pensa que o nome da Maritaca é esse ai com "o som", enfim… Já na fissura produzi um CD do Jongo Trio, que hoje não é mais da Maritaca, e dois livros de partitura - o do "Quinteto" e o do "Mozar Terra" - dum CD do Núcleo chamado "Caderno de Composição", que hoje também está na Maritaca..

Solange Castro - Quantos discos têm o Selo?

Léa Freire - O Selo tem 29 títulos ativos. Desses, dois ainda estão na fábrica, tem uns três indo pra fábrica, sete lançamentos pro ano que vem, no mínimo. Isso com apenas 3 pessoas...

Solange Castro - Haja fôlego - rs...

Léa Freire - Então, voltando, teve mais duas festas da Maritaca - "Toca Maritaca" em 2002 com os livros e o relançamento do "Ninhal", mais o "Quinteto" - o do disco, apresentando todo mundo, e o "Canta Maritaca" em 2004, com o Theo de Barros, Guzzy Woolley, Filó Machado e Arismar - que trouxe o cd "10 anos" da Velas. Em 2005 lançamos / relançamos 17 títulos. Jurei pra mim mesma que 2006 não vai ser assim - É demais, e agora to indo pras Feiras - no Brasil e fora. Este ano a Maritaca participou das Feiras de Brasília e Fortaleza, da Womex na Inglaterra e to indo pro Mercado Cultural na Bahia!

Solange Castro - O máximo, Léa - acho a Maritaca um dos principais Selos Brasileiros - parabéns...

Léa Freire - Obrigada, valeu..

Solange Castro - Bom, já sei que os discos da Maritaca estão tocando na Alemanha...

Léa Freire – Rs... É verdade, a Tânia é um doce, adoro ela. E o site que ela faz é muito legal, tem de tudo - literatura, turismo... A verdade é que tudo hoje em dia é parceria - vocês com a Tânia, fui pro Womex e fiz contato com uma pa de gente legal... Tem um Selo na Bélgica chamado "Mogno Music" que a Maritaca começa a distribuir provavelmente em janeiro de 2006. A idéia É co-produção para o futuro... Outro na Dinamarca que ainda estamos em negociação e já começoo a tocar com o Thomas Clausen em fevereiro - ele vem pra cá e faremos um novo quinteto - com ele ao piano e o Afonso Correa de bateria, mais o Fernando de Marco no contrabaixo. O Afonso mora na Dinamarca e o Fernando na Inglaterrra - quinteto multinacional - o Henri (da Mogno) é um super cozinheiro também!!! Tem um Selo chamando "Sundance" que tem uma pa de coisa legal, dê uma olhada...

Solange Castro - Vou conferir, com certeza... Tem a Koala no Japão, do Vasco Debritto - excelente...

Léa Freire - Esse ainda não contatei - também tem Selo da Argentina, da França (Saravah) da Dinamarca (Sundance) da Bélgica (Mogno) e mais uns três ou quatro meio que engatilhados - então haja dedo pra tanto e-mail!! Fora o povo da distribuição, da edição, da digitalização (Believe, Orchard, IODA e tantos outros, ufa!

Solange Castro - E o mais impressionante, Léa , é que vemos nossa música instrumental ser aceita e aplaudida pelo mundo todo e tão pouco conhecida pelo nosso povo...

Léa Freire - Nossa mídia foi literalmente invadida. in-va-di-da, saca ? As majors são as donas da mídia - elas compraram tudo! E o povo é obrigado a ouvir o que elas fazem. Ainda bem que existe a Internet... Mas tem jeito. Outro dia saiu uma matéria sobre as concessões de Rádios e quem são os integrantes da comissão que regulamenta Rádio e Televisão no Brasil - claro, são as mesmas pessoas, nada mais bacana do que fiscalizar a si mesmo, né? A boa notícia É a Warner ter que pagar 4 milhões de dólares por causa de jaba, isso é gostoso de ouvir!!! Outra noticia boa é a CPI no ECAD - se não acabar em pizza vai ser muuuuuito legal.

Solange Castro - Rs... O jaba é uma vergonha - não sei como Gil ainda não se mexeu para colocar um fim nisso... Mas CPI no ECAD, aí eu já acho mais utópico - rs...

Léa Freire - Difícil ser representante do cravo e da ferradura ao mesmo tempo - adoro o Gil músico...

Solange Castro - Sim, como compositor e músico é maravilhoso...

Léa Freire - A CPI é sinal de que alguém importante foi incomodado, senão não saía, ou que existe um desconforto de setores da sociedade que estão se fazendo ouvir mais agora, talvez, sei lá... Brasileiro precisava exercitar mais a cidadania - participando, reclamando, exigindo mesmo. Mas povo sem cultura é povo dominado... E a gente foi invadido...

Solange Castro - Triste - nos anos 70, sob as rédeas insanas de Médici, a música estrangeira invadiu as rádios para abafar a música "arte" brasileira, que estava sendo censurada indiscriminadamente - depois do 'generoso' Figueiredo vir com a abertura política (???), as rádios já estavam acostumadas em receber seus jabás e tocarem o que as majors queriam... Não que o jabá fosse novidade, mas era menos agressivo à sociedade... O que houve nos anos 70 foi um descaso à dignidade do povo...

Léa Freire - As concessões foram "concedidas" pra pessoas interessadas nisso, e no fim das contas o lance é a grana - nego querendo fazer muito dinheiro em pouco tempo do jeito mais fácil... Quando um povo não tem cultura, ele desconhece os próprios valores e fica vendido mesmo...

Solange Castro - Rs... Vai lá no Maranhão ver quem são os donos de 90% das concessões - rs...

Léa Freire - Puxa vida, quem será? Quem será???

Solange Castro - Rs...

Léa Freire - Brasileiro não tem auto-estima - acha que tudo que vem de fora é melhor, é uma judiação fazer isso com um povo... E o pior é que a pretensa "mídia" acha que tudo que é brasileiro é velho - legal é aquele pastiche que chega de fora com 10 anos de atraso e vira moda aqui depois que virou sucata lá... Isso é moderno - o lixo dos outros - acho patético... O Brasil hoje faz a música mais poderosa do planeta - a mais rica, a mais variada, a mais completa, a mais impressionante... Todo dia recebo material de bandas do Brasil inteiro que são simplesmente excelentes. Excelentes! - de novo - pra ficar claro. Não dá pra produzir tudo, o que é uma pena, e bem que eu gostaria, mas que merece, merece, definitivamente.
Fico com dor no coração quando tenho que falar não para um projeto desses excelentes...

Solange Castro - Isso mesmo, Léa - recebemos aqui também obras maravilhosas... A qualidade da música brasileira está em alta, só que não chega ao público... É um crime...

Léa Freire - Mas a verdade é que não quero crescer muito, quero continuar com foco e fazendo as coisas artesanalmente, com carinho, e levar nossa música pro resto do mundo ouvir - daí as viagens, as Feiras. Vou pro Midem, pro Porto Musical, pra Brasília de novo, pra Curitiba, enfim, vou morar meio que na mala no ano que vem... A gente fica correndo atrás de novos meios de divulgação. Você soube que o Serra liberou as rádios comunitárias no Município de São Paulo? Achei o máximo...

Solange Castro - Aqui no Rio continuam fechando...

Léa Freire - Pega na veia desse povo que tem o desplante de dizer que rádio comunitária derruba avião - vai ser cínico assim... - se as grandes não derrubam a pequena vai derrubar? Eles acham que agente é muito burro mesmo...

Solange Castro - …O argumento mais imbecil que já ouvi... “Derrubadas” são as contas bancárias deles - rs...

Léa Freire - Insulta a inteligência, né? O negócio é a resistência pacífica – palmas pra esse povo que lança rádio comunitária, e, se fechar, abre no vizinho...

Solange Castro - Sim... Agora nós estamos com a opção da Web, que vem abrindo bastante espaço...

Léa Freire - E a rádio digital deve ser um barato também - andei perguntando por ai - as AMs virarem rádio digital, hum, quer dizer que conseguiríamos transmitir ao vivo na Internet? Acho que sim - sem essa de download, ia ser muito legal... Ai a gente podia fazer essa entrevista ao vivo na Internet, já pensou? Sem ter que digitar errando tudo que nem eu... Vídeo conferência rádio ao vivo...

Solange Castro - Hummm... Aguarde... O Alô promete...

Léa Freire - Eita, que legal! Eu aqui você ai, uma falando com a outra com imagem e som ao vivo na net - puxa vida - sou do tempo do telefone preto e da tv branco e preto... A gente esperava 10 anos pra ter uma linha telefônica...

Solange Castro - O problema disso é a transmissão, que ainda é muito cara - as vídeo conferências são feitas em salas fechadas, para poucos, pois se abrir para muitos custa uma fortuna, sem condições...

Léa Freire - Mas fiquei pensando: por exemplo, o Skype - a gente telefona pro mundo inteiro baratinho - telefone tem teleconferência - nem sei, dá pra falar com várias pessoas ao mesmo tempo?

Solange Castro - Sim, pelo Skype sem problemas... Acho que essa tecnologia não demora mais que um ano pra aparecer... Aqui no Alô teremos grandes avanços em breve - aguarde...

Léa Freire - Admirável mundo novo - eita, Huxley...
Então, deixa eu falar dos lançamentos que ainda vão acontecer esse ano...

Solange Castro - Isso!

Léa Freire - Dias 15,16 e 17 de dezembro...
Dia 15 - CD Baba de Calango do grupo Choro Rasgado, cujos integrantes são - Alessandro Penezzi, Renata Valente, Zé Barbeiro e Rodrigo Y Castro. – No espaço Cachuera!, Rua Monte Alegre 1094;
Dia 16 tem dois lançamentos simultâneos - no SESC Vila Mariana tem a Banda Mantiqueira com o CD "Terra Amantiquira", às 21:00, e no Teatro do Colégio Santa Cruz tem Itiberê Orquestra Familia, também às 21:00.
Dia 17 o Itiberê dá mais uma chance pra quem não viu e repete no Teatro do Colégio Santa Cruz..

Solange Castro - … muita coisa boa - rs... Parabéns, Léa, realmente vocês realizam um trabalho fantástico...

Léa Freire - Frenético, eu diria, por isso que não dá pra aceitar todos os excelentes trabalhos que me mandam... E, também, "Mim" quer tocar...

Solange Castro - Sim, mas de alta qualidade... Tudo que “Mim” quer ouvir – rs...

Léa Freire - Sem dúvida, nosso problema com certeza não é qualidade, é divulgação. Por isso que oportunidades como essa entrevista são ouro em pó...

Solange Castro - Obrigada, Léa - aqui no Alô o espaço para divulgar o trabalho de vocês estará sempre aberto - temos uma audiência fantástica, tanto no Brasil como fora, de amantes da nossa música que buscam sempre as "jóias raras" que estão sendo lançadas... Sinta-se em casa... Acho que Selos como Maritaca, Delira Música, Lua, Azul, Rob Digital, Fina Flor e tantas outras são verdadeiros heróis - vocês gravam e lançam discos que não tocam nas rádios, raramente chegam nas telas de TV, enfim, nenhuma mídia abrindo caminho - e vocês investem nesse acervo brasileiro com tanta coragem – só aplaudindo de pé...

Léa Freire - Eu faço isso por motivos médicos - se não fizer, fico doente...

Solange Castro - Quanto a nós, Léa, não fazemos mais do que nossa obrigação - rs... Sem contar o imenso prazer, claro... Aqui só entra o que gostamos, trabalhamos para sermos felizes...

Léa Freire - Então somos iguais... A Maritaca é baseada na paixão pela música brasileira. … uma coisa tão boa e que me dá tanto prazer que é impossível que não dê certo...

Solange Castro - Rs... Sim! Amém! E certamente é isso que vale - a dignidade e alegria que temos pelo nosso trabalho é o maior patrimônio que temos na Empresa e em nossas vidas...

Léa Freire - Sem dúvida, cada um fazendo o que gosta...

Solange Castro - Bom, você vai ao Miden em Janeiro, certo???

Léa Freire - Vou sim, to preparando material e tudo, e fazendo "contata" com o povo em geral... E dá-lhe e-mail...

Solange Castro - Rs... Vocês são só Selo ou trabalham como produtora também??

Léa Freire - Nós somos Selo, Distribuidora, Produtora e Editora...

Solange Castro - Léa, música instrumental não toca em rádio - são raríssimas e o espaço encolhe cada vez mais... Por outro lado, existem espaços que investem nesse segmento e acabam lotando... Ao seu ver, o que você acha que poderia ser feito "politicamente" pela música instrumental brasileira?

Léa Freire - … verdade, já até falamos de alguns desses espaços. E aparece músico bom novinho toda hora. Cada vez mais, parece praga!

Solange Castro - Rss... Eita, praga da boa... "Ser BRASILEIRO" É uma praga ótima...

Léa Freire - Primeiro a divulgação - moralizar as rádios e garantir que pelo menos um pouco da nossa cultura seja tocado. Isso pra rádio e TV... Difusão interna e externa - tem que ter uma política cultural que garanta uma parte da realização do artista, programas de difusão fazem o que? Incentivam os eventos culturais, seja através de passagens aéreas (todos os países civilizados fazem isso), ajudas em divulgação, hospedagem, alimentação, etc.; programas pra levar nossa música pra fora, como o da APEX, que agora fez uma parceria com a ABMI, ABGI e BM&A ajudar grupos e Selos brasileiros a participar das feiras no exterior. Esse PSI (Plano Setorial Integrado) tá começando agora, e eu espero que ele evolua e permaneça... Tem as câmaras Setoriais funcionando, acho bom. Tem muita água pra navegar ainda, mas toda caminhada começa com o primeiro passo...
Quanto à falta de patrocinador, o problema é que as pessoas muitas vezes desconhecem a Lei, e acho uma pena deixar a política cultural nas mãos dos departamentos de marketing das empresas, sem falar no caixa dois que sempre ta na moda...

Solange Castro - É o retorno que elas têm...

Léa Freire - Não entendi...

Solange Castro - Falando dos Departamentos de Marketing - rs...

Léa Freire - Pois é, mas ai o cara quer patrocinar quem já é famoso e o projeto se perde, certo?

Solange Castro - Sem dúvidas...

Léa Freire - Porque ele põe azeitona na empada das majors com dinheiro público... Acho também que Festivais de Jazz patrocinados pela Lei Rouanet deviam ter uma porcentagem de artistas nacionais...

Solange Castro - Isso sim, com certeza, até porque não faz sentido se trazer muitos artistas de fora, já que o Brasil á um verdadeiro manancial de talentos...

Léa Freire - Não me venha dizer que o artista nacional não tem qualidade pra isso que é mentira... Acho imoral gastar dinheiro público destinado à cultura pra pagar somente, veja bem, somente, atrações internacionais. Os caras são muitos bons e eu gosto muito de poder assisti-los aqui, mas a gente é bom pra c...., e esse espaço tinha que ser melhor dividido.

Solange Castro - Isso é uma barbaridade - a música instrumental brasileira pode 'receber convidados' internacionais, mas jamais 'precisar' deles para fazer um magnífico espetáculo - temos talentos do mesmo teor de qualidade artística e técnica dos melhores do mundo...

Léa Freire - Acho que festivais de música patrocinados pelo Estado deviam incluir a música popular instrumental brasileira. Achei infeliz a idéia de tirar a música popular do Festival de Campos do Jordão, pra dar um exemplo. Em relação ao seu parágrafo da barbaridade - acho que somos melhores. Nossa música tem um caminho mais rico - eles parecem perdidos numa fórmula que se esgotou - boa fórmula - mas se esgotou...

Solange Castro - Léa, mas temos a sorte de ter "Léas" pelo Brasil - pessoas que como você, são artistas, empresárias, batalhadoras... Vocês criativos, inovadores e muito, mas muito corajosos... TODOS!!!
Muito obrigada - espero que você tenha muito sucesso e mande sempre as agendas e novidades para nós - o Alô Música, como já foi dito, é todo seu...

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